sábado, 8 de dezembro de 2012

Como Deus quer o mundo (Que mude de selvagem em humano)

O querer de Deus, o que Deus quer, está plenamente perfilado e demonstrado no bem que nos perfila e demonstra o seu enviado Jesus Cristo com a sua vida no Evangelho. Evidentemente, o querer de Deus para o mundo está explicitado na frescura perene das Bem-aventuranças e na diáfana claridade do Pai Nosso.

Estes dois parágrafos, dos quais nunca deveríamos separar os cristãos, resumem e sintetizam o núcleo do genuinamente cristão, mas o drama está em que nos custa admiti-lo, quando estes dois pilares do cristão estão firmemente plantados no coração do homem e no horizonte do viver dos homens e estes percebem de que esta é a base de qualquer possível avanço e o vértice até onde tinham que convergir os seus esforços para ser eficazes e efectivos de forma a conseguir ir vivendo em plenitude e com sentido; mas o drama está em que nos custa admiti-lo porque ele significa valorizar os valores de maneira inversa a como os vimos valorizando. Parece-nos que perdemos porque em lugar de procurar a felicidade onde se fala, preferimos procurar a segurança onde não se encontra.

Isto, que é de uma esmagadora simplicidade, nós os homens temos a triste faculdade de poder enredá-lo e complicar os factos que são indispensáveis para poder ir assumindo tudo o que se torna na vida de cada um e na vida da humanidade para ir procurando que cada homem e cada colectividade vá encontrando, no facto de viver com sentido, o meio de conseguir realizar-se nas suas circunstâncias concretas e avançar decididamente até à sua sempre possível maior plenitude.

São inumeráveis os homens que crêem que a felicidade está em outra parte e que consiste em ser egoísta. É preciso uma mudança radical e continua até uma atitude e uma disposição capaz de assumir que em um foco do existir com sentido, o homem consegue ser sempre mais do que alcança num projecto de egoísmo e que tudo se torna distinto do foco tal e como hoje o entende a generalidade das pessoas.

O egoísmo, o orgulho e a ambição são sem dúvida as três directrizes que vencem nas aspirações do homem actual, e que em realidade não são senão reduções da natural aspiração do ser humano, respectivamente, a ser ele mesmo, a ser melhor e a ser mais. Sucede que ao substituir-se o objectivo da felicidade pelo da segurança, a pessoa crê que somente é ela mesma em confrontação egoísta com os demais; que somente é melhor se se sente e actua como superior aos do seu ambiente; e que somente é mais se alcança um superior nível de ter e de poder.

Quando o egoísmo, o orgulho e a ambição não está debaixo controlo pelo afã superador de ser ele mesmo, de ser mais e ser melhor, crescem e se estendem com uma voracidade parecida à que produz o cancro no organismo, o que conduz a um estado obsessivo e obstinado que tira a alegria de viver e a possibilidade de ver os demais como amigos e irmãos, e não competidores.

O egoísmo, o orgulho e a ambição não são o que mais vale porque não conduzem à felicidade. São sempre querer ser um pouco menos do que Deus quer e possibilita que sejamos.

Se bem que o perfil da realidade actual diste muito do mundo que Deus quer, sempre rejeitámos unir-nos ao coro dos profetas de calamidades que denunciou João XXIII, e afirmamos que o mundo actual de nenhuma forma é pior que o de épocas precedentes, nas quais os valores da pessoa, sua liberdade e transcendência, ou a justiça ou solidariedade, não se valorizavam mais que como integrantes de núcleos e colectivos reduzidos, e não como condição, sequer teórica, aplicável a todo o ser humano.

Deus quer o mundo tal e qual como o querem os homens na hora serena. Esse momento em que a pressão dos prejuízos não assedia o coração humano e, sozinho, entende qualquer pessoa que se fossemos capazes de acolher a ânsia de amar e ser amados, que radicalmente sentimos, e de fazê-lo todos ao mesmo tempo, num prazo muito curto, inferior ao de uma geração, desapareceriam as injustiças, a fome e a dor evitável, que é sem dúvida uma percentagem quase absoluta da dor real, estabelecendo formas de comunicação e convivência absolutamente novas ainda que sempre desejadas.

Estes momentos de “hora serena” em que a pessoa sabe com certeza que o mundo pode ser a casa de todos e um vínculo de harmonia criativa até uma plenitude de todos em todos e em tudo, por desgraça costumam terminar com a sensação de quimera e impossibilidade, ante qualquer rasgo de egoísmo, orgulho ou ambição de qualquer próximo, que nos devolve ao que entendemos como a realidade, quando não é senão o negativo do possível.

Sobre esta convicção, os Cursilhos estão conscientes de que os reiterados intentos de melhorar o mundo pretendendo obrigar os homens a que não se magoem entre si, não respondem ao verdadeiro querer de Deus.

O desenho que para o mundo a história contém os Cursilhos configura um itinerário cujo núcleo inicial e central se baseia na pessoa. Não é alterando bruscamente as estruturas de convivência que se consegue que o mundo avance na linha do querer de Deus; senão que é precisamente actuando sobre a pessoa concreta, individualmente valorizada, como pode alcançar-se uma linha de avanço.

E às pessoas não cabe pretender mudá-las nem melhorá-las de fora, se se aspira a algum resultado que não seja puramente episódico e temporal. Se trata de reconciliar a pessoa consigo mesma, de facilitar-lhe o enorme descobrimento de que o Reino de Deus está "dentro de vós mesmos” e projectar-lhe assim para a sua verdade mais verdadeira que é a sua dimensão essencial de pessoa capaz de amar e digna de ser amada.

Esta actuação centrada na pessoa é complementada pelo pensamento dos Cursilhos, projectando a sua dinâmica precisamente nos ambientes nos quais já está actuando dita pessoa para que proceda a impregna-los de amizade.

Quer dizer, os Cursilhos não tentam melhorar as pessoas para que estas directamente se ocupem de mudar as estruturas de convivência e de poder que condicionam ao mundo e à história, pelo contrário perceberam que antes deste passo se requere outro muito mais essencial: que as relações interpessoais de convivência na família, no trabalho, na diversão e onde queira que se produzam, vão estando impregnadas de sentido e conteúdo amistoso para que depois, e de forma quase imperceptível, o novo ambiente de amizade que se cria gere ou exija um tipo de estruturas convivênciais explícitas de acordo com o sentimento colectivo preexistente. O mundo não se muda “a golpes de decreto” mais que por um tempo muito limitado; melhora-se em profundidade somente quando se melhoram estavelmente as relações interpessoais e nos ambientes comuns gerais e não só nos ambientes elitistas e privilegiados, religiosos ou de outra natureza.

O itinerário pessoa-ambiente-amizade é portanto o desenho que entendem os Cursilhos pode ir configurando o mundo segundo o querer de Deus, que como fica indicado, não é nem mais nem menos que o mais profundo e sentido querer do homem, ao menos em suas horas serenas.

A originalidade e simplicidade deste planeamento não deixarão de convertê-lo em facilmente ridicularizável, especialmente por aqueles que seguramente levam muito tempo tentando melhorar o mundo pelos complexos caminhos de dotá-lo de maior riqueza, impregna-lo de maior moralidade ou solidariedade, ou incrementar os seus níveis de cultura e comunicação. Todo ele é claramente positivo nesta visão, mas enormemente complexo se não se plasma como uma consequência de um sentir generalizado, nos ambientes humanos, de busca de maiores níveis de bem-estar, de melhoria das relações interpessoais e de plenitude do ser humano, quer dizer, se não respondem a um clima prévio de amizade em ditos ambientes.

O que sem dúvida pode resultar surpreendente para alguns é que o mundo melhor que os Cursilhos desejam ajudar ou iluminar, não é um mundo pio e teocrático, mas sim um mundo real e substancialmente humano. No nosso horizonte, o “New York Times” não se teria convertido no “L'Osservatore Romano”, mas sim se teria melhorado essencialmente na sua veracidade e na sua amenidade ao estar elaborado por profissionais realmente centrados na pessoa como origem e destinatário da notícia. Os cristãos pecam ainda muitas vezes do lastro medieval que nos induz a pensar no que o aperfeiçoamento do mundo seria inerente a uma hipertrofia da Igreja-instituição.

O nosso mundo do futuro é um mundo secular no qual Deus se alegra de governar precisamente o coração dos homens e não de ser utilizado por uns homens para governar outros homens.

A segunda parte do Pai Nosso, na sua genial simplicidade, nos situa na perspectiva de pedir a Deus o pão nosso de cada dia, o perdão correspondido das ofensas e a evitação do mal. São as três necessidades essenciais do ser humano, de subsistência, de convivência e de carência de dano ou dor. Frente a ele quase nunca nos apercebemos de que na vida de cada pessoa, somente quatro ou cinco desgostos sérios se produzem de forma necessária e inevitável, enquanto todos os demais desgostos nós os criamos nós mesmos, ou nos criam os demais do nosso ambiente. Situar a pessoa na pista do possível é pelo mesmo fazê-lo exequível a própria perspectiva de ser pessoa e a de sê-lo em amizade no seu ambiente natural.

Fomos pensados e criados para o amor e quando nos afastamos dele com o propósito de dedicar a intenção, o interesse e o esforço a outras necessidades que julgamos mais importantes, ao encontro inesperado ou desesperado com a realidade ou no silêncio, a primeira possibilidade de reflexão, o arrancamos do nosso viver, mas não do nosso sentir mais profundo e a nossa intenção mais verdadeira.

Aflorar de novo a realidade da nossa vida diária, o amor, o sentido que não deixou de latir no nosso interior, e fazê-lo gerando uma tripla corrente de amizade com ele mesmo, com Cristo e com os demais, é iniciar, no que nos toca, a mudança do mundo segundo o querer de Deus, a verdadeira humanização da realidade.

Eduardo Bonnín 
Francisco Forteza

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