quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Primeiros Passos: 1911-1913

O primeiro ensaio de escutismo em território português ocorreu no momento em que se operava a organização e institucionalização da prática a nível internacional. No dizer do próprio Baden-Powell, a inexistência de um secretariado ou conselho central de apoio ao movimento, em franca expansão no Império Britânico e também noutros países da América e Europa, havia tornado os primeiros dois anos da experiência verdadeiramente caóticos; milhares de jovens aderiam ao escutismo.
Nomeado Governador de Macau em 17 de Dezembro de 1910, Álvaro de Melo Machado foi responsável pela a primeira experiência portuguesa de que há registo, nesse mesmo território. Este militar de carreira relatou ao órgão oficial da AEP, aquando do primeiro jubileu da associação, o curso dos acontecimentos: contactou com o escutismo através de um professor que então lhe ministrava algumas aulas de conversação básica em inglês, Mr. Nightingale, que lhe terá dado a conhecer o método. Decidiu pô-lo em prática em 1911 com a ajuda desse mesmo docente, de Ms. Campbell, filha de um comissário das alfândegas de Hong Kong, e de um tenente de infantaria português, Ernesto Torre do Vale. “Scouts em Macau” constitui o mais antigo testemunho documental de uma experiência escutista em território português. Relata os trabalhos de campo de um grupo de boy scouts e girl scouts, por “iniciativa de alto valor” do governador local. A reportagem fotográfica apresenta jovens fardados praticando provas de socorrismo, sinalagem e observação, divididos por três patrulhas masculinas e duas femininas, num total de 22 a 25 elementos.
Três meses antes da chegada de Melo Machado a Lisboa, após a cessação de funções como governador em 14 de Julho de 1912, havia-se formado no seio da Associação Cristã da Mocidade (ACM) da capital o primeiro grupo de escoteiros em território metropolitano. Roberto Moreton, ministro protestante, filho do primeiro missionário metodista em Portugal, Robert Hawkey Moreton (um dos grandes impulsionadores da denominação no país) foi o responsável pelo acolhimento da iniciativa. Nascido no Porto, Roberto Moreton assistiu muito jovem à criação, por seu pai, da União Cristã da Mocidade (mais tarde rebaptizada Associação Cristã da Mocidade, ou ACM), em 1894. Esta associação abriu uma outra delegação em 1898, em Lisboa, sendo ambas congéneres das Young Men Christian Associations (YMCA’s) disseminadas pelo mundo, criadas numa lógica interdenominacional (aberta a todas as congregações protestantes), e especializando-se na dinamização de actividades dirigidas a jovens (como o pingue-pongue e o basquetebol ou actividades culturais de popularização do esperanto e de visitas a locais de interesse histórico).
Em 1912 presidia o pastor Moreton à ACM de Lisboa, tendo sido responsável, com o Secretário-Geral da associação, Rodolfo Horner, pelo acolhimento do projecto proposto por um jovem boy scout britânico, Eric Franklin Giles. A nacionalidade britânica e a precocidade do seu falecimento mantêm na relativa obscuridade a biografia de Frank Giles. Chegado do Transvaal entre 1910 e 1911, este jovem instalou-se na Rua Marquês da Fronteira, em casa de seu tio, o Engenheiro Giles, alto funcionário da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa. A proposta feita à ACM da capital, no final do Inverno de 1912, foi favoravelmente acolhida e dinamizada por Roberto Moreton e Eduardo Moreira, tendo a fundação do grupo sido de então até ao presente comemorada no dia 9 de Abril. A sua proposta à ACM local deu origem a um processo análogo aos ocorridos em outras YMCA’s, promotoras da implantação do escutismo em vários pontos do globo, sobretudo no espaço anglo-saxónico. Giles faleceu em França, em 1918, na Batalha de La Lys, coincidência ou razão da comemoração do aniversário do grupo.
Ainda em 1912, Álvaro de Melo Machado fundou na capital novo grupo de boy scouts, que simbolicamente apresentou a 1 de Dezembro de 1912, numa recepção na loja maçónica Madrugada. Este grupo estava anexo à Sociedade de Instrução Militar Preparatória Nº 2, e teve como dirigentes Alfredo Barbieri, João Nolasco e Henrique Moura. Em mês indeterminado de 1912 foi promovido no Liceu Pedro Nunes, pelo reitor António Sá Oliveira, mais um grupo de boy scouts, o futuro Nº 3. A necessidade de uma união de esforços terá originado a constituição de uma federação das agremiações originais, por forma a construir uma expressão concertada do escutismo, credível e apelativa aos olhos do público e das autoridades políticas portuguesas, bem como do movimento internacional. Assim nasceu a Associação dos Escoteiros de Portugal (AEP), precedida de trabalhos de informação, discussão e propaganda do método.
in LUSITÂNIA SACRA XVI
A INTRODUÇÃO DO ESCUTISMO EM PORTUGAL
 de ANA CLÁUDIA S. D. VICENTE

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