terça-feira, 27 de julho de 2010

Anguilla anguilla, Enguia-europeia

Taxonomia
Actinopterygii, Anguilliformes, Anguillidae.

Tipo de ocorrência
Continente: Visitante, Migradora catádroma.

Classificação
Continente: EM PERIGO . EN (A2bcde+4bcde)
Fundamentação: A redução da espécie nos últimos 18 a 24 anos pode ter atingido 75% do número de indivíduos maduros e prevê-se que possa continuar a verificar-se nos próximos 18 a 24 anos ou em qualquer período com a mesma amplitude que abarque o passado e o futuro. As causas da redução, embora geralmente compreendidas, não são reversíveis nem cessaram. A avaliação da redução é baseada em dados de abundância, no declínio da qualidade do habitat, nos elevados níveis de exploração actuais e também nos efeitos de agentes patogénicos e poluentes.

Distribuição
A área de distribuição natural da espécie inclui a costa Atlântica da Europa e Norte de África bem como algumas ilhas do Atlântico (Islândia, Ilhas Féroe, Açores, Madeira e Ilhas Canárias) e ainda toda a costa do Mar Mediterrâneo (Smith 1989). Toda a população da espécie vai desovar no Mar dos Sargaços (Schmidt 1909), a nordeste do Mar das Caraíbas, entre 48º-74ºW e 20º-30ºN (McCleave et al. 1987) e as larvas atravessam o oceano em direcção às águas continentais europeias onde completam o seu desenvolvimento.
Em Portugal Continental ocorre em todas as bacias hidrográficas desde o Minho até ao Guadiana. Nos Açores e na Madeira ocorre nas águas costeiras e, embora entre nas pequenas linhas de água, lagoas e charcas (Schmidt 1909, Nunes 1994), é pouco provável que se mantenha e cresça até atingir a maturidade sexual, atendendo à irregularidade e reduzida dimensão destes cursos de água ou por ficar aprisionada nas lagoas, o que impede a sua migração reprodutora.

População
Apresenta uma tendência populacional decrescente, de acordo com os dados de recrutamento em Portugal, que sofreram uma quebra de cerca de 75% nos últimos 20 anos (Antunes 2002). A população mundial sofreu, durante as décadas de 80 e 90, um decréscimo de 90% no recrutamento em toda a sua área de distribuição (Dekker 2003a) tendo esse valor atingido os 99% a partir do final dos anos 90 (Dekker 2003b). As consequências deste decréscimo são ainda desconhecidas mas têm necessariamente implicações no número de reprodutores que conseguem alcançar o Mar dos Sargaços.

Habitat
Ocorre em todos os tipos de ecossistemas aquáticos, tanto dulciaquícolas, como salobros ou marinhos. As massas de água continentais (salobras e dulciaquícolas) de carácter permanente constituem o principal habitat da espécie. No entanto, podem surgir em qualquer massa de água doce que desagúe no mar, mesmo que se trate de um sistema temporário. O Oceano Atlântico constitui uma rota de migração obrigatória quer para os reprodutores que se dirigem para o Mar dos Sargaços, quer para as larvas que migram para as massas de água continentais (Tesch 1977).

Factores de Ameaça
Um dos principais factores de ameaça reside na sobrepesca de juvenis de enguia, o meixão, actividade que se encontra integrada num comércio internacional e que, apesar de proibida em todas as bacias hidrográficas nacionais (à excepção do rio Minho), continua a ser praticada de forma ilegal. Tendo em conta os actuais dados de recrutamento, Dekker (2003a) conclui que se irá registar um declínio grave na população continental e os seus efeitos, atendendo ao tempo geracional da espécie, serão prolongados. Os grupos de trabalho ICES (International Council for the Exploration of the Sea) e EIFAC (European Inland Fisheries Advisory Commission) chamaram a atenção para o facto de a pesca da enguia, aos actuais níveis de captura, não ser sustentável e estar fora dos limites de segurança biológica da espécie (Starkie 2003).
A redução do habitat disponível nas águas doces devido à construção de barragens e açudes é outro factor de ameaça grave. Para além disso, como a determinação do sexo nas enguias está dependente da densidade, a concentração de muitos indivíduos num local (a jusante de uma barragem, por exemplo) vai induzir o desenvolvimento de machos, o que tem como consequência um decréscimo da biomassa desovante (Domingos 2003). Outros factores de ameaça são a alteração do regime natural de caudais, a poluição aquática, a extracção de inertes e a disseminação do agente patogénico Anguillicola crassus, um nemátode parasita da bexiga gasosa que pode provocar a sua ruptura (van Banning & Haenen 1989) e inviabilizar a migração reprodutora das enguias prateadas (Evans & Matthews 1999).

Medidas de Conservação
A espécie está abrangida por legislação nacional de defeso. Face ao acentuado declínio da enguia por toda a Europa, Russell & Potter (2003) consideram urgente a tomada de medidas precaucionárias para a gestão nacional e internacional da pesca e dos efectivos da enguia-europeia. A nível nacional, torna-se urgente investir nas acções de fiscalização de modo a desactivar o mercado negro associado ao circuito comercial do meixão e rever a legislação das pescas implementando,(designação vernácula dos exemplares adultos durante a migração reprodutora).
Neste contexto, torna-se imprescindível sensibilizar as comunidades piscatórias para a necessidade de serem rigorosas na declaração dos quantitativos das suas capturas, de modo a conhecer a situação real e poder concretizar medidas de gestão apropriadas à conservação da espécie.
Para além da gestão das pescas, deverão ainda implementar-se as medidas contempladas nos vários planos de ordenamento do território (e.g. Planos de Bacia Hidrográfica) e ainda na Directiva-Quadro da Água, bem como promover a recuperação de habitats, nomeadamente o controlo da poluição e da extracção de inertes e o restabelecimento da livre circulação da espécie nos ecossistemas dulciaquícolas (Almeida et al. 2000a). É igualmente fundamental estabelecer programas de monitorização dos efectivos de meixão e enguias prateadas visando conhecer a relação entre o recrutamento e o contributo para o efectivo reprodutor e acompanhar a sua evolução.
As medidas de conservação adoptadas ao nível local ou nacional devem ser coordenadas a uma escala europeia (Feunteun 2002) já que se trata de um recurso partilhado e cujas tendências populacionais devem necessariamente ser analisadas numa perspectiva mais alargada.

Notas
Não foi efectuada a avaliação da espécie nos Açores e na Madeira por os indivíduos não completarem o crescimento nas águas insulares.
Na fase larvar a enguia é conhecida por meixão ou angula.

Outra bibliografia consultada
Schmidt (1912); Costa (1989); Domingos (1992); Antunes (1994); Wirth & Bernatchez (2001).


in Livro Vermelho dos Vertebrados

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