terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Hieraaetus pennatus, Águia-calçada

Taxonomia
Aves, Accipitriformes, Accipitridae.

Tipo de ocorrência
Estival nidificante.
 
Classificação
QUASE-AMEAÇADA - NT*  (D1)
Fundamentação: População reduzida (entre 500-1.000 indivíduos maturos). Na adaptação à escala regional desceu uma categoria, por se admitir que a população nacional pode ser alvo de imigração significativa e não ser de esperar que a imigração das regiões vizinhas possa vir a diminuir.

Distribuição
No Paleárctico, a águia-calçada é uma espécie nidificante estival que se distribui por duas “regiões”, uma a Oeste e que compreende a França, Península Ibérica e noroeste de África, e outra a Leste que se estende desde a Grécia e os Balcãs até ao lago Baikal, e ainda a norte do subcontinente indiano, passando pelo Cáucaso e Ásia Menor (del Hoyo et al. 1994). A quase totalidade das suas populações são migradoras, deslocando-se no Inverno para o subcontinente indiano e para a África Tropical, numa faixa que vai desde o Senegal ao Sudão e Etiópia e que se prolonga depois até à África do Sul (del Hoyo et al. 1994, Hagemeijer & Blair 1997). A espécie é sedentária nas ilhas Baleares (Muntaner 1981), no norte da Índia e, ainda, na África do Sul e Namíbia (Brooke et al. 1980, Brown 1985, del Hoyo et  al. 1994, Cramp 1998).

Em Portugal está ausente em grande parte das regiões Centro e Norte do país e no Algarve. Ocorre regularmente em Trás-os-Montes, Beiras interiores e no Alentejo, apresentando uma distribuição contínua nos distritos de Évora, Portalegre, Setúbal, Santarém, Castelo-Branco e Guarda (Palma et al. 1999a, ICN dados não publicados).

População
Palma et al. (1999a) estimaram a população portuguesa em 250-350 casais, considerando-a estável. A sul do Tejo, no Alto Alentejo, onde predominam os montados de sobro Quercus suber densos, a espécie atinge as suas mais elevadas densidades – 19-25 casais/100 km2 (Onofre  et  al. 1999) ou 8-10 casais em 35 km2 (grosso modo 23-28 casais/100 km2) (Miravent 2001).

Em termos de estatuto de ameaça a nível da Europa, a espécie é considerada Rara, provisoriamente (BirdLife International 2004). Em Espanha a águia-calçada é classificada como Pouco Preocupante (LC) (Madroño et al. 2004), possuindo populações abundantes, estáveis ou mesmo em expansão nalgumas regiões (Muñoz & Blas 2003).

Habitat
É uma espécie tipicamente florestal, com nidificação arborícola. Em Portugal, o seu habitat por excelência é o montado de sobro denso ou relativamente denso, associado ou não a pinheiros Pinus spp. dispersos ou em manchas (Onofre et al. 1986a). Ocorre também em montados de azinho Q. rotundifolia relativamente densos, de preferência também com pinheiros ou sobreiros à mistura, e ainda em áreas com mais elevada preponderância de pinhais mansos P. pinea ou bravos P. pinaster. A norte do Tejo, nas regiões serranas e planálticas do Leste, utiliza principalmente os pinhais bravos para nidificar, embora esporadicamente possa recorrer a matas ripícolas. Caça perfeitamente dentro dos próprios montados ou dos pinhais mansos mais abertos, mas faz uso também dos terrenos agrícolas, pastagens e matos, os quais, nas zonas serranas são o habitat praticamente exclusivo de caça (Onofre N dados não publicados).

Factores de Ameaça
De entre as ameaças a esta espécie contam-se as alterações de habitat, provocadas pelos incêndios no Centro e Norte do país, que destroem o seu biótopo de nidificação e tendem a favorecer a fragmentação das populações.

No Sul, as ameaças resultantes da alteração ou perturbação do habitat não assumirão gravidade comparável, mas interferem sem dúvida na desestabilização (abandono ou deslocação de territórios), e na produtividade de alguns casais. De entre os factores conhecidos mais importantes no Sul, contam-se (Onofre N dados não publicados): o corte de pinheiros de grandes dimensões, pelos quais a espécie mostra preferência para construir o ninho; as podas, principalmente as pesadas arreias, que frequentemente se efectuam em grandes extensões de montado; a arborização com eucalipto de terrenos abertos (vales e outras terras de agricultura marginal, matos); as acções de adensamento excessivo de montados, que limitam o habitat de caça potencial; a pilhagem de ninhos durante as tiragens de cortiça ou apanha de pinhas, que localmente poderão afectar a produtividade das populações; a perseguição através do abate directo a tiro (e.g. por caçadores isolados ou por guardas de caça em zonas de regime cinegético especial).

Outras causas de mortalidade ou de diminuição da produtividade por vezes assinaladas (cf. Muñoz & Blas 2003) são a colisão ou electrocussão em linhas de média tensão e a acumulação de metais pesados, pesticidas organoclorados ou organofosforados, entre outros. Contudo, nas populações estudadas do Alto Alentejo (cf. Onofre  et al. 1999), não foi observada uma incidência significativa destes factores (Onofre N dados não publicados).

A nível nacional desconhece-se a gravidade resultante da morbilidade ou mortalidade de juvenis devido a Tricomoníase ou Candidíase, uma vez que é uma espécie que captura pombo doméstico. No entanto, nas populações do Alto Alentejo já mencionadas, a incidência destas doenças não é significativa, apesar de as suas dietas incluírem percentagens significativas de pombo (principalmente pombo-correio) (Onofre N dados não publicados).

Medidas de Conservação
As medidas de conservação para esta espécie prendem-se com a conservação do habitat, que no caso do montado de sobro parece garantido no médio-longo prazo. Contudo, quer para esta quer para as restantes aves de rapina que nele habitam, impõe-se que sejam seguidas algumas regras de conservação de habitat, nomeadamente: i) gestão correcta das podas (tanto na intensidade como na extensão e ordenamento no espaço); ii) condicionamento das plantações florestais de elevada densidade, e.g. de eucalipto ou pinheiro,  nas  clareiras  existentes  no  seio  de  áreas  de  montado  ou  a  ele  adjacentes (incluindo em particular os vales e linhas de água); iii) recomendação de limites máximos de densidade de plantação nas acções de beneficiação ou arborização de montados, com sobreiro, azinheira ou pinheiro.

Esta espécie beneficiaria ainda do incentivo e generalização do recurso às Medidas Agro-Ambientais para apoio à manutenção e recuperação de sistemas de agricultura e ovinicultura tradicionais e também do reordenamento da floresta portuguesa de modo a promover espaços florestais diversificados, tanto ao nível dos cobertos arbóreos como de outros, e a prevenir a ocorrência dos grandes incêndios florestais. Adicionalmente, com vista à conservação do habitat das aves de rapina florestais e de outros valores naturais, deviam ser incluídas medidas específicas nos manuais de boas práticas florestais.

A sua conservação requer ainda o desenvolvimento de campanhas de sensibilização para a conservação das aves de rapina e do seu habitat, junto a proprietários rurais, agricultores, pastores, caçadores, guardas e gestores de caça e público em geral e o reforço da vigilância e aplicação da lei mais efectivas relativamente às infracções e crimes contra a natureza e as aves de rapina em particular.

Importa realizar estudos de biologia e ecologia de populações de outras regiões do país e, à semelhança das restantes espécies de rapinas florestais, deverão ser realizados censos ou programas de monitorização.

Notas
A águia-calçada é também uma migradora de passagem em Portugal, sendo notórios tais movimentos na zona de Sagres em particular, durante o Outono, onde representa entre 30 a 40% do total de aves planadores que por ali passa (Tomé et al. 1998).

Durante o Inverno verifica-se a ocorrência regular de um número reduzido de águias-calçadas no nosso país, sobretudo junto à faixa litoral, suspeitando-se de uma presença permanente nalguns locais ou mesmo de uma pequena população invernante (Rufino 1989, Costa 1994 e 1998c).

in Livro Vermelho dos Vertebrados


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