terça-feira, 8 de setembro de 2015

Milvus milvus, Milhafre-real, Milhano

Taxonomia
Aves, Accipitriformes, Accipitridae.

Tipo de ocorrência
Residente e Invernante.
 
Classificação
População residente: CRITICAMENTE EM PERIGO - CR (C2a(i,ii))
Fundamentação: População nidificante muito reduzida (inferior a 250 indivíduos maturos), com declínio continuado do número de indivíduos e da sua área de distribuição; os núcleos populacionais conhecidos não têm dimensão superior a 50 indivíduos.
População  invernante:  VULNERÁVEL - VU  (D)
Fundamentação: População relativamente reduzida (inferior a 1000 indivíduos).

Distribuição
Está restrita essencialmente ao Paleárctico ocidental, desde a Península Ibérica até à Ucrânia, Rússia e Geórgia, tendo como limite setentrional o Sul da Suécia e limite meridional o extremo Norte de Marrocos (Hagemeijer & Blair 1997). Já criou nas Ilhas Canárias e existe ainda uma pequena população nas Ilhas de Cabo Verde (del Hoyo et al. 1994, Cramp 1998). É principalmente migratória no norte e centro da sua área de distribuição, invernando a larga maioria dos efectivos no sul de França e na Península Ibérica (del Hoyo et al. 1994). Existem indícios de uma sedentarização das populações do Centro e Norte da Europa, uma vez que é crescente o número de indivíduos que no Inverno se mantêm no sul da Suécia e da Alemanha, entre outros países (del Hoyo et al. 1994, Cramp 1998, Viñuela & Ortega 1999).

Em Portugal, a distribuição actual da população nidificante está bastante fragmentada; na sua maioria (70-80%) está localizada no Planalto Mirandês, região de Ribacôa e na área entre Castelo Branco e Idanha-a-Nova, encontrando-se o restante efectivo disperso por vários locais do Alentejo e das bacias do Mondego e do Tejo.

A população invernante distribui-se por grande parte do território nacional, mas parece localizar-se principalmente na metade leste do país, de Trás-os-Montes ao Alentejo, acompanhando de perto a distribuição da população nidificante (cf. Costa 1998a e ICN/SPEA dados não publicados), tal como se observa em Espanha (Viñuela & Ortega 1999).

População
A população reprodutora é residente e está actualmente resumida a 50-100 casais (Monteiro & Pacheco 2003). Ao contrário de outras aves de rapina que paulatinamente têm vindo a recuperar, a população de milhafre-real tem vindo sistematicamente a decrescer desde meados do século XX, altura em que era comum e em vários locais mesmo mais comum que o seu congénere milhafre-preto (Coverley c.1945, Paulino d’Oliveira 1928).

Esse declínio é já mencionado por Bugalho (1970) e manteve-se na década de 1970 (Palma 1985), tendo continuado durante os anos 1990 (Palma et al. 1999a) até ao presente (Monteiro & Pacheco 2003). No planalto do Douro internacional – bastião actual da população portuguesa, com 19-26 casais (Fernandes & Monteiro 2003), os registos indicam um declínio continuado da população (A Monteiro, com. pess.). Admite-se que nos últimos 20-25 anos se verificou uma redução da população nacional de cerca 50%, tendência que se manterá no futuro se as causas dessa redução não cessarem.

Para Portugal, não existem estimativas precisas da população invernante. Não é de todo incomum encontrarem-se no Inverno, no nosso país, dormitórios com dezenas ou mesmo centenas de aves desta espécie (Monteiro & Pacheco 2003, MC Pais, com. pess.), pelo que é admitir que o território continental seja frequentado por cerca de um milhar de indivíduos.

À semelhança de Espanha (Viñuela & Contreras 2001, Viñuela 2003), Portugal poderá também constituir um sumidouro de aves invernantes da população centro-europeia, em resultado de mortalidade causada por abate e envenenamento.

Em  termos  de  estatuto  de  ameaça  a  nível  da  Europa,  a  espécie  é  considerada Em Declínio, tendo sofrido um declínio recente moderado (BirdLife International 2004).

Habitat
É uma espécie típica de regiões planas e planálticas. O habitat da população nidificante em Portugal é formado por montados de sobro Quercus suber e azinho Q. rotundifolia, pinhais Pinus spp. relativamente abertos e bosquetes de folhosas (cortinas de abrigo, compartimentação e matas ribeirinhas), onde cria, associados a grandes vales ou outras áreas planas e abertas, com terrenos de cerealicultura e pecuária extensivas, lameiros, pastagens, matos e áreas humanizadas (arredores de povoações, explorações agro-pecuárias de bovinos e ovinos, lixeiras, estradas), onde caça (Rufino 1989, Silva 1998, Monteiro & Pacheco 2003).

Factores de Ameaça
O abate e o envenenamento constituem as ameaças mais importantes à sobrevivência da espécie em Portugal. Os seus hábitos alimentares (necrofagia), e métodos de caça (voo baixo  e  lento),  tornam-na  altamente  vulnerável  a  estes  factores  (Palma  et  al.  1999a, Monteiro & Pacheco 2003). De acordo com Brandão (2003), o envenenamento é um factor de mortalidade em aumento nos últimos anos. A ingestão de roedores contaminados devido ao uso de raticidas no combate a pestes agrícolas e florestais afecta negativamente a espécie em Espanha (Viñuela 1996) e constitui uma ameaça em Portugal (Monteiro & Pacheco 2003).

O encerramento das lixeiras a céu aberto e a alteração de habitat (em resultado dos incêndios florestais, do corte de arvoredo, da reconversão de áreas para eucaliptal, da degradação de cortinas de arvoredo e do abandono da agricultura e pecuária tradicionais), são factores que devem também contribuir para a regressão da espécie (Palma et al. 1999a, Monteiro & Pacheco 2003). Acrescem a isto as restrições sanitárias pecuárias impostas ao  nível  legislativo  para  a  eliminação  de  cadáveres  das  explorações,  que  restringiu  a disponibilidade alimentar.

A  mortalidade  por  electrocussão  em  linhas  eléctricas  tem  incidência  relevante  nesta espécie.

A competição, quer em termos da ocupação do habitat de nidificação quer em termos tróficos, com o seu congénere milhafre-preto M. migrans, devido à similitude das suas ecologias e à rarefacção dos efectivos nidificantes e inferioridade numérica, poderá ser um factor limitante adicional, à semelhança do descrito para a águia-real Aquila chrysaetos e águia-de-Bonelli Hieraaetus fasciatus (Viñuela 1999).

A cada vez maior fragmentação e isolamento da população, aliados a eventuais baixo sucesso reprodutor, mortalidade elevada e consequente recrutamento insuficiente (cf. Monteiro & Pacheco 2003), poderão agravar a situação da espécie e dificultar a recolonização natural de áreas entretanto perdidas, pois é sabido que esta espécie é muito filopátrica (Viñuela 2003).

Medidas de Conservação
Esta espécie foi alvo da elaboração de um plano de acção para a sua conservação (Monteiro & Pacheco 2003), sendo fundamental a implementação do mesmo.

Entre as medidas de conservação para inversão do processo de declínio destacam-se:
  • desenvolvimento de campanhas de sensibilização junto a caçadores, guardas e gestores de caça, agricultores, pastores e público em geral;
  • a intensificação das acções de fiscalização e de aplicação efectiva da lei;
  • desenvolvimento de acções que generalizem o recurso a Medidas Agro-Ambientais, por forma a minimizar a degradação do habitat ou contribuir para a sua recuperação;
  • activação de alimentadores artificiais;
  • o reordenamento da floresta portuguesa de modo a promover espaços florestais diversificados, tanto ao nível dos cobertos arbóreos como de outros, e a prevenir a ocorrência dos grandes incêndios florestais. Adicionalmente, o Manual de Boas Práticas Florestais deveria incluir medidas com vista à conservação das aves de rapina e outras espécies;
  • correcção de linhas de transporte de energia em zonas de maior densidade da espécie;
A realização de estudos sobre a biologia e ecologia da espécie para analisar a mortalidade, produtividade e causas de regressão, assim como de censos periódicos, de modo a seguir regularmente a evolução das populações nidificante e invernante, são também fundamentais para o delineamento de medidas concretas para a recuperação da espécie e do seu habitat e assegurar a conservação da espécie.

in Livro Vermelho dos Vertebrados




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