sábado, 22 de dezembro de 2012

As correntes que correm

Desde que iniciámos os Cursilhos de Cristandade, temos vindo pensando que se tínhamos que defini-los pela sua finalidade, teríamos que dizer que tudo neles está orientado com o objectivo de conseguir que cada pessoa se encontre consigo mesma, e que partindo daí, se vá encontrando com os irmãos em Cristo, e com Cristo vivo nos irmãos.

O que cada um, ao sentir-se na sua singularidade do seu ser individual, tende a ir-se realizando como pessoa, e portanto sujeito com capacidade de convicção, de decisão e de constância, e assim vá descobrindo a sua identidade.

O Cursilho antes de mais pretende que cada um se aceite como é, compreenda que pode ser melhor, e se resolva a ter o bom gosto de fazer o caminho acompanhado.

O encontro com Cristo, é um encontro com Cristo interiorizado, vivenciado e encarnado de maneira humana, normal, natural, de tal forma que propicia, facilita e conduz ao encontro com os irmãos. Mas com uns irmãos concretos, próximos e amigos.

As três vertentes destes três encontros, quando não são manipuladas, temperadas ou distorcidas, pretendendo oferecer-lhes prioridades que enredam e generosidades, que por não ser fruto maduro da sua convicção, de maneira alguma o são da sua decisão e muito menos da sua constância.

Desde o início dos Cursilhos, as pessoas "da Igreja" não puderam assombrar-se menos ante a transbordante e não poucas vezes transbordada generosidade que os Cursilhos provocam, suscitam e vão conseguindo.

A nossa preocupação constante veio sendo a de não distanciar-nos dos homens com quem nos vamos encontrando ao longo do caminho corrente do nosso quotidiano viver.

Desde as altas cimeiras científicas até à vasta planície do pensamento popular, nos interessou sempre as correntes de pensamento cristão que percorrendo a História, produzindo luz para esclarecer situações dadas, e calor, clima e alento para fermentá-las evangelicamente.

Em "Estruturação de Ideias" e no "Como e o porquê", já mencionávamos alguns autores que naqueles tempos estavam no que costuma chamar-se cavalgando a onda. Romano Guardini "A Essência do Cristianismo", 1945. Karl Adam "Cristo Nosso Irmão", 1939. Alceo Amoroso Lima, Tristán de Athaide "Os Mitos do Nosso Tempo", 1944. Pedro Bayard "A Acção Católica Especializada", 1944. Cardeal Manuel González Cerejeira "A Igreja e o Pensamento Contemporâneo", 1945. Manuel García Morente "Ideias para uma Filosofia da História de Espanha", 1943.

"Devorávamos" praticamente todos estes autores, como temos seguido e seguimos devorando os de depois. Porque ontem como hoje e como sempre interessou-nos estar ao corrente de todas as correntes que correm, das que circulam, das que não se estagnam e isolam, das que impregnam o viver porque do viver partem e ao viver se dirigem.

Desde sempre e ainda agora, continua interessando-nos mais a aventura que a segurança. Temos preferido a fidelidade à verdade do que domesticá-la, amassá-la e fazer roma.

Temo-nos sentido filhos fiéis da Igreja, e por isso das grandes alegrias que o Senhor nos proporcionou, que são muitas e profundas, ao longo e ao largo de toda a geografia do mundo, no nosso gozoso serviço a Cristo, no Movimento dos Cursilhos, destacaríamos o dia e a hora em que podemos ouvir dos lábios de Paulo VI, aquelas palavras rotundas, quentes e emocionadas que nos dirigiu por ocasião da Ultreia Mundial em Roma. Tudo isto nos animou, nos reconfortou e nos deu novo empurrão para seguir e prosseguir com mais entusiasmo e mais firme tenacidade no caminho de todas as horas e de todos os dias.

Onde a mensagem não se adulterou, onde os que fizeram Cursilhos, não foram manipulados para convertê-los em agentes ou animadores de barracões, que costumam ser sempre bons, mas que lhes tiram a ponta, o empurrão e a garra que lhes faz incidir no mundo, no seu mundo, onde estão, de maneira convincente, activa e operativa.

A essência do Cursilho, o triplo encontro convergente: consigo mesmo, com Cristo e com os irmãos, não pode actualizar-se por decreto e os efeitos que produz na pessoa, sempre são algo radicalmente original, que não admite nenhuma manipulação.

Nada ensina tanto como a vida, mas é de homens tentar ir descobrindo as razões, as causas e os motivos que iluminam e esclarecem o nosso viver. As ideias realizadas e os feitos estudados e reflectidos desde as suas razões e motivações, abrilhantam o projecto pessoal de cada pessoa e de cada colectividade, e o vão conduzindo à possessão de uma teoria para a prática e uma realização prática da teoria.

Ele, desde os inícios dos Cursilhos, nos fez estar atentos até quem melhor expressou a inquietude cristã de cada momento, no terreno da teoria, e na área da realidade quotidiana em que os homens tentam realizar o cristão e o humano. Nem sempre nos encontramos com trigo limpo, algo chocou às vezes com a nossa convicção, mas tratamos de aproveitar a circunstância, para afirmarmos no absoluto.

Sempre nos satisfizemos escutando a todos, e nos chamou a atenção a relutância, o pouco interesse e a incompreensível apatia dos cristãos de sempre.

Analisando esta questão não é difícil compreender a sua atitude que não deixa de ser, até de certa maneira lógica. Por exigir-lhes decisões forçadas, de maneira alguma puderam ser fruto da sua convicção.

O escutar os profetas foi sempre o melhor meio de manter e acrescentar o espírito para visionar o futuro e ir entendendo melhor as vicissitudes do presente.

Ele nos levou ao conhecimento dos autores mais significados de cada época e de cada etapa dela, com o fim de conhecer o mais exactamente possível as ideias, as atitudes, os anseios, os sentimentos os acontecimentos que vão debatendo-se na vida.

Temos podido ir comprovando que a verdade torna-se, mana, se sucede e o que hoje é oportuno, amanhã deixa de sê-lo. Sabemos a verdade daquele que nada se banha duas vezes num mesmo rio, mas o fundamental cristão, não está fundamentado nos acontecimentos nos quais vive o homem, mas sim na idêntica ressonância que vão tendo nele os acontecimentos vitais, humanos pelo facto de ser vitais, manifestação viva de que se vive, e pelo facto de ser humanos, isto é comum à generalidade dos homens.

A fome de transcendência, de finalidade, de sentido, é carência que pode experimentar qualquer pessoa capaz de pensar em profundidade; quando o faz, e vai consciencializando-se dele, não encerrando-se em si mesmo, mas sim em contacto com outros, vai descobrindo que a sua situação é comum a todos.

A fome de transcendência unifica, irmana, iguala, cria fraternidade, que se produz sempre entre pessoas que se sentem vivendo uma mesma circunstância.

Há um dilema que nos sai ao caminho do viver diário, por pouco que reflictam as pessoas. Nos amamos porque nos conhecemos ou porque nos desconhecemos? Amar alguém de quem conhecemos somente as virtudes, amar por..., ou amar para...., é relativamente fácil. As dificuldades começam quando nos sentimos impulsionados a ter que amar a pesar de.... ou precisamente por.

Há quem é feliz quando pode ir dando-se conta do que sucede, e há quem só o é, quando pode inibir-se do seu ambiente, uns são felizes na medida que pensam em tudo e outros o são na medida em que deixam de pensar em algo.

Os homens são todos diferentes, distintos, diversos, mas isto só na sua fachada, no que se vê; no fundo, no fundamental humano, os homens todos reagem da mesma maneira, ainda que matizada por pormenores que em nada modificam la visão de fundo.

Ir trançando o fio dos acontecimentos que nos sucedem no plano horizontal do tempo presente, com os fios verticais que vão desde a realidade que vivemos até Deus, pelo qual, sabendo-o ou não, nos desvivemos, exige estar atentos, despertos, dinâmicos e activos.

Tratar de conhecer ao nível do possível, a "rosa-dos-ventos" das ideias que circulam pelo universo, é algo enormemente fascinante. Sempre tentamos estar ao á beira dos sucessos e das diferentes interpretações que souberam dar-lhes os pensadores adiantados, inquietos e constantes, no férreo empenho de buscar a verdade. Senti-los próximos, tentar compreendê-los e até admirá-los, não é lançar-nos sem mais pelas janelas que nos vão abrindo as suas ideias, mas sim aproveitando-nos da luz que sabem filtrar para podê-las contrastar, afirmar e potenciar, oferecendo-nos a ocasião de experimentar, ao vivo e de imediato aquela verdade do Senhor que o Evangelho nos recorda: "quem não é contra vós, é por vós".

Os profetas continuam sendo incómodos porque abrem os olhos à realidade e desinstalam os biombos de convencionalismos que não deixam ver o atractivo perfil do real e verdadeiro, quando a pessoa o vive em plenitude e se esforça com fidelidade em mantê-lo e acrescentá-lo.

Os profetas da vertente de Deus e da vertente dos homens, foram sempre para nós algo de grande ajuda e não pouco estímulo. Os primeiros para matizar-nos de maneira certeira as realidades de Deus vivo, feito presente na vida e na História por experiências, ideias, conceitos, atitudes e vivências escritas e expressadas com convicção e contagiadas pelo espírito que se manifesta nos seus escritos.

Os profetas da vertente dos homens, nos fizeram fixar em pormenores que jamais tínhamos notado nós sozinhos.

Conhecer o melhor possível "as correntes que correm", sensibiliza para dar-se mais cabal conta do que as ditas correntes movem e removem; elas costumam ser portadoras dos desejos, as inquietudes, e as preocupações que se suscitam no interior dos homens de hoje e de sempre. Aqueles que foram pensados e criados para ser amados e para amar, perdem-se e perdem faculdades, quando pretendem conseguir finalidades fugazes, que não lhe aclaram as radicais contradições que está chamado a superar para encontrar-se consigo mesmo e no fundo de si mesmo, encontrar-se com Deus.

Eduardo Bonnín

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