terça-feira, 28 de novembro de 2017

A Migração das Aves


O fenómeno da migração das aves, é um dos fenómenos mais fascinantes e simultâneamente menos compreendidos da natureza. Há 4.000 anos os egípcios, registaram pela primeira vez, este fenómeno nas suas pinturas murais. O filósofo grego Aristóteles (séc.III a.c.) estava convencido que as andorinhas hibernavam na lama, e que em Outubro os Rabirruivos se transformavam em Piscos. Hoje em dia, com o auxílio das tecnologias disponíveis sobretudo o radar e os registos dos postos de anilhagem, sabemos que não é assim. No entanto, à medida que a ciência faz novas descobertas, mais e mais questões se levantam, para as quais poderá nunca haver resposta satisfatória. Pensa-se que na Europa as migrações surgiram no fim da última época glaciar, quando vastas áreas de gelos se fundiram, pondo a descoberto novos habitats capazes de proporcionar alimento às aves nidificantes. Apesar de serem relativamente frágeis e vulneráveis, numerosas espécies de aves continuam a fazer todos os anos longas viagens, voando horas e mesmo dias consecutivos sem parar. A Gaivina Ártica (Sterna paradisea) é a campeã de todas as migradoras. Esta espécie percorre cerca de 18 mil km desde a sua área de nidificação no Ártico até à zona de invernada no Antártico, para alguns meses depois fazer todo o caminho de volta, percorrendo num ano cerca de 36 mil km.

Parece evidente que um dos factores relacionados com a migração das aves, é o da abundância ou escassez de alimento. Em muitas regiões do globo, a sua alimentação escasseia durante certas épocas do ano. A maioria das aves morreria se permanecesse nestes locais. É a situação verificada nas regiões com invernos muito rigorosos. Durante esta época, as aves migram para regiões mais amenas com maior abundância alimentar, retornando na Primavera quando, o clima e os recursos alimentares lhes são de novo favoráveis. Por sua vez, as espécies não migradoras são espécies capazes de sobreviver com os recursos alimentares disponíveis nesta época. Com a descida acentuada das temperaturas no Inverno, os insectos escasseiam; é por esta razão que a maioria das aves insectívoras migram.

A migração é uma deslocação regular entre habitats, e não deve ser confundida com divagações, deslocações ocasionais e movimentos dispersivos. A migração é um fenómeno intencional e voluntário, uma viagem de certa envergadura e duração. Tem carácter periódico, dado tratar-se de uma viagem de ida e volta que se repete de forma sazonal e implica locais geográficos bem definidos. O movimento migratório envolve toda a população de uma espécie, e não só uns tantos indivíduos. Os lugares de origem e destino são antagónicos do ponto de vista ecológico.

A vida de uma espécie obrigada a deslocar-se sazonalmente está dividida em
quarto períodos, dois sedentários e outros dois dinâmicos, em trânsito entre habitats, que se sucedem alternadamente. Durante a Primavera o indivíduo está ligado à área de criação, onde encontra condições ideais para se reproduzir. Nos finais do Verão inicia a chamada “migração pós-nupcial”, que o conduz à área onde passará o Inverno. Neste lugar permanece para mal se anuncie a aproximação da Primavera empreender a viagem de regresso. É o que se chama a “migração pré-nupcial”.

Os factores que, num dado momento, desencadeiam a migração das aves, não são de fácil explicação. Muitas das espécies das aves do hemisfério norte começam a sua migração em direcção ao sul, quando ainda existem recursos alimentares mais do que suficientes para a sua sobrevivência. Estas aves não têm maneira de saber que passado algumas semanas a temperatura vai descer e que o alimento vai escassear. O momento do início da migração é provavelmente regulado pelo seu sistema glândular. As glândulas produzem substâncias químicas, as hormonas. Está se em crer que são as variações na produção das hormonas que estimulam a migração das aves. À medida que os dias se tornam mais pequenos, surgem variações na produção de hormonas. Como consequência as aves começam a preparar o seu voo migratório. Contudo esta variação hormonal não explica por exemplo, porque é que diferentes espécies localizadas na mesma região começam a sua migração antes de outras, ou ainda, porque é que aves da mesma espécie não começam a sua migração ao mesmo tempo. Assim o inicio da época da migração não parece depender exclusivamente da duração dos dias, mas também de outros factores como do factor climatérico e da quantidade de alimento disponível.

Na região Paleártica, que inclui a Europa e a metade setentrional de África, as
vias migratórias entre as áreas de criação e os locais tropicais onde passam o Inverno encontram-se obstaculizadas pela presença de mares, desertos e cordilheiras que ocorrem em sentido perpendicular aos das deslocações. Enquanto as aves seguem um rumo norte-sul e vice-versa, os Alpes, os Pirenéus, o sistema central da Península Ibérica, o mar Mediterrâneo, a cordilheira do Atlas e o deserto do Sara são obstáculos que seguem uma trajectória leste-oeste aproximada. Se bem que muitas aves estejam aptas para atravessar o Mediterrâneo em qualquer ponto, os fluxos migratórios concentram-se nos principais estreitos: Gibraltar, Sicília, Bósforo e Península Arábica. Existem no entanto muitas aves que evitam fazer amplos percursos, e se detêm em locais favoráveis das regiões temperadas. É isso que acontece na Península Ibérica, que recebe uma importante população de aves invernantes procedentes do Norte da Europa.

As diferentes espécies possuem diferentes estratégias de empreenderem as suas viagens migratórias. Assim as migradoras podem ser nocturnas, como é o caso de muitas espécies de insectívoras, que se alimentam de dia e utilizam a noite para viajar. Exemplo disso são os tordos e as felosas, migradoras de grande distância, que nidificam nos países nórdicos e passam o inverno a sul do equador. Estas aves iniciam o seu vôo migratório pouco depois do sol-posto, utilizando as horas do dia para comer e repousar. As migradoras podem também ser diurnas, como ocorre com as grandes aves planadoras, que necessitam de se apoiar nas correntes térmicas provocadas pela insolação do solo para se deslocarem. No entanto aves de dimensões mais reduzidas como as andorinhas e os andorinhões, são também migradoras diurnas, com a particularidade de serem capazes de se alimentarem em pleno voo.

As diferentes espécies divergem também no modo como se deslocam ao longo do seu trajecto migratório. As migrantes de frente ampla, empreendem os seus trajectos livremente, ultrapassando deste modo, os obstáculos que lhes surgem pelo caminho. A este grupo pertencem os passeriformes, e a maioria das migradoras nocturnas. As migrantes de frente estreita, que constituem uma minoria, são as que tendem a concentrar-se em determinados pontos do seu percurso migratório. O exemplo clássico deste tipo de aves é a Cegonha branca (e também das grandes rapinas) que evitam as grandes massas de água, onde não se produzem as correntes térmicas de que necessitam para planar. É esta razão, que leva a que todos anos se assista a uma enorme concentração de cegonhas no Estreito de Gibraltar, que simplesmente aguardam o momento climático e a direcção do vento mais favorável, para fazer a passagem entre a Europa e a África.

Outro dos factores mais intrigantes no fenómeno da migração é o do sistema de navegação e orientação das aves. E isto porque se conhece muito pouco acerca do seu sistema sensorial. Ao que parece as aves não só utilizam o sol e as estrelas, ou o campo magnético terrestre, como referência de navegação, mas também os acidentes de terreno, os sistemas hidrológicos e montanhosos, as linhas costeiras continentais, os maciços florestais, as manchas de água, a direcção dos ventos dominantes e as massas de ar com diferentes graus de humidade e temperatura. A maior parte das pequenas migradoras não ultrapassa os 30 a 35 Km/hora, quando não há vento, embora muitas tirem partido dos ventos favoráveis. Enquanto as cegonhas mantém facilmente velocidades de 55 Km/hora.

A migração contêm os seus riscos e o seu preço. Evidentemente que os benefícios da migração ultrapassam os seus custos, incrementando o sucesso reprodutivo das espécies, nas zonas temperadas ricas em alimento. Uma grande percentagem de aves morre durante o período migratório. Predadores, más condições climatéricas, a caça, atropelamentos e colisão com edifícios, são algumas das causas apontadas para este facto. No entanto, a causa responsável por mais mortes durante o trajecto migratório das aves, é a degradação e desaparecimento das zonas transitórias de alimentação e recuperação de energia (stopovers). Estes habitats, onde as aves param em média 1 a 5 dias para recuperar energia, e restabelecer as suas reservas de gordura, são essenciais para o sucesso migratório.

A Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo, quer pela sua situação geográfica, quer pelas suas características ecológicas, desempenha um importante papel não só, como habitat residencial de algumas espécies, mas também como habitat temporário das espécies em trânsito. A pureza das suas águas, férteis em peixe, assim como a vegetação envolvente, proporcionam o habitat temporário ideal, para as aves em deslocação migratória na região.



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