sábado, 15 de dezembro de 2012

Agentes de mudança ou construtores da sociedade, o que procura o movimento dos Cursilhos?

Quando recebi do Padre Cesáreo, o encargo de escrever algo sobre o tema que encabeça estas linhas, pensei, e sigo pensando, que mo pôs tremendamente difícil, pois desde sempre eu acreditei que quando o Evangelho e a sua latente e poderosa eficácia flui, influi e conflui onde tem lugar e se dá o autenticamente humano, o dinamiza, o orienta e o dirige até à sua mais possível e rotunda plenitude. E isto ocorre sem necessidade de agentes de mudança que o enredem, e sem planos traçados por outros, que pretendam construir estruturas cristãs, onde facilmente se pode obter a etiqueta de cristão, sem sê-lo nem em espírito nem em verdade.

E isto, o levo eu tão cá dentro, é para mim tão real e verdadeiro, que, na minha pobre opinião, dar-me a mim, e precisamente a mim, o desenvolvimento deste tema, diria que é algo parecido a se ao Cabo do Departamento de Tráfego, da Secção de "Mortos e Acidentados na Estrada", se lhe encarregasse de escrever a apologia do viajar em automóvel. De certeza que, ao tentá-lo, se lhe amontoariam no seu cérebro, os fatalmente numerosos mortos e feridos que ele teve que atender, recolher e testemunhar.

A circunstância de continuar estando no activo no Movimento dos Cursilhos desde a sua iniciação - em 1944 - feito que presenciara, como - de certeza sempre com a melhor das intenções - isso se, a poderosa energia espiritual produzida pelos três dias de Cursilhos, era quase toda orientada primeiramente, e canalizada depois, pelos que sentindo-se mais cristãos que os demais, pretenderam "actuar com agentes de mudança" e de "construtores da sociedade", empregando, se assim se pode falar, o material humano e generoso que cada Cursilho lhes foi proporcionando, ver para atingir, sem a vontade dos sujeitos, a vitalização de tudo o que não funciona ou funciona mal na sua parcela eclesial.

Este desvio tão frequente e tão dolorosamente experimentado tantas vezes, foi e continua sendo, a causa principal porque o Movimento dos Cursilhos, muitas vezes não produziu ou não produz, os frutos de eficácia que se poderiam esperar dele, já que normalmente as pessoas que viveram um Cursilho, sobretudo se tem personalidade, não se deixam manejar para que os de sempre consigam o de sempre, isto é: poder contar com um comparsa às suas ordens, e assim seguir exercitando os seus dotes de "agentes" e de "construtores".

Há que ter muito em conta que, aos que saem de um Cursilho, não se lhes tem que manipular nem deslocar, mas sim que tem que madurar onde Deus os colocou, já que se isto se faz assim, os que viveram a feliz experiência dos três dias de um Cursilho, a vão acrescentando, sempre que lhes procurem os meios apropriados: a REUNIÃO DE GRUPO e a ULTREIA, clima que lhes facilita que possam ir procurando esclarecerem a sua convicção, afirmar-se na sua decisão e motivando a sua constância. Sem dúvida nenhuma, este é o melhor caminho para poder ir planificando o mais importante de tudo, que sempre foi, é e será, o encontro consigo mesmo, etapa base, fundamento e chave que facilita, simplifica e prepara o caminho até Cristo e até os irmãos, sem "misticismos" inibidores, nem "fraternidades" incontroladas.

É que o Movimento dos Cursilhos, onde não foi distorcido, não tem necessidade de procurar nenhum agente de mudança, porque vão emergindo todos os que precisam do clima que se cria e se expande desde o lugar onde estão, os que, como fica dito, por terem-se encontrado a si mesmos, a Cristo e aos irmãos, tem muito presente que o principal é o primeiro encontro, para poder ir perpetuando os outros dois. Este é o imprescindível ponto de partida.

A obstinada urgência, ainda que às vezes dissimulada, com que aos que acabam de encontrar-se consigo mesmos num Cursilho, se os obriga a mudar e a construir, no recinto do pio, em lugar de dar prioridade à área da sua identidade e do seu concreto ambiente, faz que de maneira quase matemática se encontrem situados em pistas muito honráveis, e muito boas em si, mas que os afastam de si mesmos, pelo paternalismo que engendram, pelas inquietudes que aquietam e pelos horizontes que não clarificam nem animam. Talvez se possa dizer, sem pretender dogmatizar, que no terreno da normalidade onde decorre o viver dos humanos, a religiosidade para contagiar e convencer tem que ser motivada pela fé; a moral, por uma convicção feliz e alegre; e a política social; por um claro e diáfano altruísmo, mas todo ele encarnado e feito vida em homens que o vivam de verdade. Se o fazem por obrigação, nem ilusionam, nem contagiam. As construções que possam montar-se para fomentar a religiosidade, a moral ou a política social, são pouco consistentes, quando se fia mais nas estruturas que nas pessoas, já que elas são sem dúvida os meios de que se vale Deus, não para fomentar, mas sim para fermentar o cristão. É uma pena que não se chegue a compreender de uma vez por todas, que não se trata de actualizar o Evangelho com as montagens pastorais teóricas em uso, mas sim que é o Evangelho que nos actualiza a todos, mas primeiro aos homens, antes que as estruturas, já que se não se começa pela "Jerusalém dele mesmo", que é por onde todo o autêntico tem que começar, sempre haverá um latente farisaísmo em tudo o que se leve a cabo. O que precisa, melhor dito, o único que precisa, é que a cada homem lhe chegue a boa notícia de que Deus, em Cristo, o ama.

O que crê de verdade obra em consequência, e com tranquilidade, continuado, humilde e simples esforço o faz luz e móbil do seu existir, no clima em que está e no lugar em que se fala e ali é onde se lhe nota, onde dá a nota, onde pode dá-la com simplicidade, com naturalidade; e ali é justamente também, se não se lhe complica, onde muito poderá mudar e muito se poderá construir como cristão, na realidade, concreta onde está, na que vive, enquanto não se o separe dela e no se pretenda transplantá-lo à área do pio, para que uma vez nela, separado das suas raízes e “da sua terra", se lhe exija que dê o fruto de que gosta mais e crêem melhor, os “super-cristãos” de turno.

Estas genialidades quase sempre obra dos que, sentindo-se "agentes" e "construtores", não acertaram em ver que, pela sua dinâmica própria, o Movimento dos Cursilhos, não tem necessidade de procurar, já que, como fica dito, com a REUNIÃO DE GRUPO e a ULTREIA, quando estas não se distorcem e se põe ao serviço de outros fins, criam e cultivam o clima apropriado, enquanto, como se costuma às vezes, não se ponham travas à espontaneidade que surge de um grupo de cristãos, quando o humano de cada um, ficou fascinado pela pessoa de Cristo, e vão descobrindo que com ELE a bordo da sua pessoa, as suas qualidades vão potenciando-se, e as suas dificuldades perdendo vigor.

Hoje que graças a Deus, ainda que muitos não se tenham dada todavia conta, sobretudo se se contam entre os campeões obstinados dos apostolados platónicos, planificados com muito boa intenção, mas a muitas milhas do real, não há posto para o imposto, e o que vem dado por decreto, é muito difícil que interesse ao homem de hoje, que vai dando-se conta que a tão levada e traída liberdade, pela que todo o mundo suspira, é sempre pelo menos ou nada menos - antes que outra coisa - o direito a ser verdadeiro, e portanto em ir dando-se conta que o cristão, mais que em ter que dar um dia conta, consiste em dar-se conta, cada dia, e melhor ainda a cada momento, se pode chegar-se a ele, que pela graça de Deus, muito pode esperar-se e conseguir-se da pessoa, se esta se consciencializa, das suas qualidades e do que pode dar de si, se não abdica da sua singularidade, da sua originalidade, nem da sua criatividade, único ponto de partida, para que uma acção seja verdadeiramente pessoal, e não imposta por peregrinas e absurdas culpabilidades e responsabilidades que, por não serem verdadeiras, não podem convencer mais do que aos ingénuos.

Esta realidade, intuída, pensada, rezada e vivida desde o princípio do princípio, até pelos anos 40, nos evidenciou que isto é o ponto mais importante, mas pela sua simplicidade, dificilmente se pode entender, ou melhor dizendo é quase impossível de entender, sobretudo pelos que, sentindo-se "mestres em Israel", crêem já tê-lo entendido.

É que a vida nos foi demonstrando que do comportamento à convicção, é muito mais difícil o caminho, que da convicção ao comportamento, e que este também é por sua vez muito mais eficaz, porque uma convicção sempre contagia, e um comportamento no máximo chega é a suscitar imitadores, que não poucas vezes não fazem mais do que pôr de manifesto a perene vigência daquela sábia frase que diz: "bem-aventurados os nossos imitadores, porque deles serão os nossos defeitos".

Quando este ideal - que é o que sempre temos pretendido, e que nunca temos deixado de pretender os que iniciámos os Cursilhos - chega ao homem de caminhar, ao homem corrente, natural e humano, este, se não se lhe manipula, compreende facilmente que o tão repetido e pouco compreendido encontro com ele mesmo, é a realidade fundamental desde a qual se têm que partir se se quer pisar pela senda da autenticidade, tão cotizada no mercado dos valores que hoje se valorizam.

Por ser esta a base para pôr em jogo os valores que se possuem, interessa sempre à pessoa que é pessoa ou se esforça por sê-lo, já que nunca vai encontrar coisa que possa descobrir-lhe e interessar-lhe tanto, como saber-se no melhor caminho para encontrar a sua identidade, para encontrar-se a si mesmo e ser ele mesmo, sobretudo quando chega a compreender que é tão só e só partindo de si mesmo, que pode orientar-se, seguir e chegar onde as suas qualidades humanas, descobertas, cultivadas, potenciadas e agradecidas pelas espirituais, lhe permitam.

A vida é sempre um desafio constante a verdade dele mesmo, e se acrescenta à medida que o homem se vai perfilando no desenho que marca o rumo a seguir, na área vital do seu normal viver, o que além de ir-lhe fazendo mais pessoa, o anima e o refina para ir pela vida sabendo afrontar, quando se apresentam, nas suas sempre possíveis circunstâncias adversas, a apatia, o desânimo, a solidão ou a traição.

Creio não poder estranhar a ninguém que, os fundadores dos Cursilhos, sintam certo pânico para com os incorrigiveis propulsores das "mudanças" e as "construções", na área simples e plana do que deve ser um Cursilho. Não duvidamos que todos pretendem ter encontrado as melhores vias até a eficácia, mas há que ver o complicado que nos o tornaram, pois acordado, regulamentado e feito norma, coisas que não somente não estão na mesma linha intencional do único que importa, mas sim que enredam y dificultam o caminho até á genuína simplicidade essencial que os Cursilhos perseguem.

Não é que temamos nenhuma actualização. Desde sempre temos tentado tratar de estar ao corrente das correntes que correm, mas sabemos também, por dolorosa experiência, onde conduz o não viver alertados de que todo o dinamismo de renovação e adaptação, deve proceder da aprofundação do seu quê e do seu porquê. Provas evidentes disso são: a absurda mudança dos nomes dos rolhos e da sua ordem, por ignorar que todos formam um todo global, orientado e disposto até à progressiva incidência que cada um deles tem normalmente no ouvinte, ao dar-lhe de maneira sucessiva, a dose precisa de verdades para possibilitar a sua convicção, sem forçar a sua decisão. A eliminação do rolho intitulado "O Cursilhista mais além do Cursilho", que é sem dúvida o que está mais em ponta secular, e em linha com o Vaticano II; marcar cotas à idade dos candidatos, em vez de que a sua personalidade; "legislar" a separação dos jovens dos adultos; assinalar prioridades absolutas: se não foi marido, não pode ir a mulher, quando o que tem que ir primeiro, para que vá o outro, é sem dúvida o que tem mais personalidade; os pitorescos cursilhos mistos, etc. etc.

Tudo isto não são mais do que genialidades de agentes de mudança e de construtores da sociedade, que em lugar de facilitar que aos mais possíveis, lhes chegue a notícia de que Deus os ama, sintam a felicidade de existir, e sejam conscientes do que são por ser baptizados, os programam. Programas de actuação, sem ter em conta que, o fazer sem ser, em cristão, é quase sempre desfazer.

Eduardo Bonnín

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