terça-feira, 26 de agosto de 2014

Falco naumanni, Francelho, Peneireiro-das-torres

Taxonomia
Aves, Accipitriformes, Falconidae.
 
Tipo de ocorrência
Estival nidificante.
 
Classificação
VULNERÁVEL –- VU (B1ab(iii)+2ab(iii); D1)
Fundamentação: Espécie com distribuição muito localizada, no Alentejo interior, apresentando extensão de ocorrência e área de ocupação reduzidas (inferiores a 20.000 km2 e a 2.000 km2 respectivamente), com menos de 10 localizações conhecidas e que apresenta declínio continuado da área, extensão e qualidade do habitat, como resultado das profundas alterações agrícolas desta região. Apresenta ainda população reduzida, inferior a 500  indivíduos  maturos.
 
Distribuição
Tem uma distribuição vasta no Paleárctico, ocorrendo na Península Ibérica e norte de África, Itália, Balcãs, Turquia, Ucrânia, Geórgia, Azerbeijão e Próximo Oriente (Cramp 1998). A sua distribuição enquanto nidificante inclui ainda as regiões que se estendem deste o sudeste do Mar Cáspio e norte do Mar de Aral até às estepes do leste do Cazaquistão e umas bolsas isoladas no Lago Baical e Nordeste da China (del Hoyo et al. 1994). Inverna a sul da península arábica e, em África, a sul do Sara, até ao extremo mais meridional da Província do Cabo. Existem zonas onde a espécie permanece todo o ano, como algumas áreas de Espanha (Atienza & Tella 2003), Norte de África e algumas regiões do próximo e médio oriente (del Hoyo et al. 1994).

Em Portugal, a partir de finais da década de 80, a espécie sofreu uma fortíssima regressão na sua extensão de ocorrência e área de ocupação (Rufino 1989; ICN dados não publicados). A espécie está hoje restrita a pouco mais de 20 quadrículas (10x10 km), essencialmente localizadas a sul do Tejo, em particular no Baixo Alentejo, sendo irregulares os casos de nidificação na zona do Tejo internacional (Almeida et al. 2003).

População
Reis Júnior (1931) e Coverley (c.1945) reconhecem que até às décadas de 30-40 este pequeno falcão era bastante comum no Alentejo, formando grandes colónias nas cidades e vilas, que nalguns casos atingiriam os 120-150 casais. De acordo com Rocha et al. (1996) e Almeida et al. (2003), é nas décadas de 1940 a 1960 que se dá início a um declínio marcado e contínuo da população portuguesa do francelho. Nessa altura, nos anos 1940, a população deveria rondar os 700 casais (Araújo 1990, Rocha et al. 1996). Este declínio tornou-se bem evidente nos finais dos anos 1980-inícios dos 1990, quando algumas grandes colónias ou núcleos desapareceram praticamente de um ano para o outro, como a da costa vicentina e sudoeste alentejano, e numericamente a população nacional se reduziu substancialmente (Rocha 1996, Palma et al. 1999a). A partir dessa altura e até ao presente apenas subsistiu uma colónia urbana a de Mértola–, com a larga maioria das restantes colónias não possuindo mais que 10 casais (Rocha 1996, Palma et al. 1999a, Almeida et al. 2003).

O último censo da espécie em Portugal, realizado em 2001, revelou a existência de 270-272 casais distribuídos por 31 locais de nidificação, admitindo-se como certa uma evolução positiva dos efectivos, principalmente na zona de Castro Verde e Mértola (Almeida et al. 2003, Rocha et al. 2001). Contudo, a larga maioria dos efectivos permanece ainda muito concentrada, com 80% da população localizada nas ZPE’s de Castro Verde e do Vale do Guadiana (Rocha et al. 2001, Almeida et al. 2003).

É uma espécie globalmente classificada como Vulnerável (VU) (IUCN 2004a), que em termos de estatuto de ameaça a nível da Europa é considerada Depauperada, tendo sofrido um declínio histórico acentuado (BirdLife International 2004).

Habitat
O habitat de caça da espécie em Portugal é formado por terrenos abertos de cerealicultura extensiva – pousios, pastagens, restolhos e terrenos lavrados e outras manchas de solo nu –, constituindo os três primeiros os biótopos favoritos (Onofre 1996, Rocha 1996, Almeida et al. 2003). Hoje em dia, a larga maioria dos locais de nidificação resume-se a construções humanas antigas e/ou degradadas, como conventos e pequenos montes semi-abandonados de alvenaria de pedra e tijolo e de taipa (Rocha 1999, Cruz 1999). Contudo, no primeiro quartel do século XX, nidificava num muito mais variado tipo de substratos, naturais ou construídos pelo homem, como castelos, muralhas, igrejas, pontes, falésias costeiras, fragas do interior e até, embora mais ocasionalmente, em árvores, nos ninhos de outras aves de maior porte (Rufino 1989, Almeida et al. 2003). Nessa altura, chegava a criar em pleno interior das maiores cidades alentejanas, como Évora, Beja, Elvas, constituindo colónias de grande dimensão (Reis Júnior 1931).

Factores de Ameaça
De entre os factores de ameaça mais importantes para o francelho contam-se, segundo Rocha (1996,1998 e 1999), Cruz (1999) e Almeida et al. (2003):
  • a perda, degradação e fragmentação do habitat de caça, motivados pela alteração dos sistemas agrícolas tradicionais e a sua reconversão para sistemas agrícolas mais intensivos;
  • a perda de substrato de nidificação, principalmente devido a obras de melhoramento em construções históricas, religiosas e rurais, que levam ao encerramento de cavidades para a sua nidificação, causa esta que teve particular incidência a partir dos anos 1950-60 aquando do restauro de monumentos nacionais;
  • a diminuição dos recursos tróficos, devido ao incremento da aplicação de pesticidas;
  • a competição inter-específica pelos locais de nidificação, nomeadamente por gralha-de-nuca-cinzenta Corvus monedula e pombo (Columba livia var. domestica).
Para além destes, há a considerar a perturbação e pilhagem de ninhos, a predação natural (por p. ex. por ratazanas Rattus sp., gralha-de-nuca-cinzenta) e o abate ilegal (Rocha 1996 e 1999, Almeida et al. 2003).

Medidas de Conservação

Em Almeida et al. (2003) é proposto um conjunto vasto de medidas com vista à conservação e recuperação da espécie: 
  • Conservação e recuperação do habitat de alimentação, mediante: i) revisão e revitalização do Plano Zonal de Castro Verde e elaboração e implementação de outros planos zonais em áreas de ocorrência da espécie; ii) divulgação e extensificação do recurso genérico a Medidas Agro-Ambientais que minimizem a degradação do habitat e promovam e recuperem sistemas tradicionais de agricultura; iii) sensibilização de agricultores; iv) melhoria do habitat em torno das colónias existentes, como p. ex. assegurando a heterogeneidade espacial das áreas de alimentação, com a introdução de faixas não semeadas e incentivando o pastoreio nos pousios por ovinos (máximo de 0,5 CN/ha); v) definição de normas de uso do solo e cartografia das áreas sensíveis em torno das colónias;
  • Conservação e recuperação do habitat de nidificação: i) desenvolvimento de acções com vista à conservação das actuais estruturas – construções humanas–, onde a espécie nidifica; ii) criação de novos locais de nidificação e ensaio de estruturas (ninhos artificiais) adequadas à nidificação e à optimização do sucesso reprodutivo da espécie; iii) especificação e aplicação obrigatória de normas no restauro de edifícios históricos em geral;
  • Minimização da predação (por roedores, corvídeos e carnívoros), competição interespecífica (corvídeos ou columbiformes), e pilhagem através de: i) controle activo de roedores, carnívoros, corvídeos e pombos nos locais de nidificação (colónias); ii) desenvolvimento e avaliação de medidas que limitem a predação e competição nos  locais  de  nidificação; iii)  vigilância  activa  das  principais  colónias  de  Abril Julho.
Para além das medidas acima referidas, referem-se ainda: i) a realização periódica de censos; ii) recolha e recuperação de juvenis caídos do ninho; iii) alimentação artificial de crias em locais onde a escassez dos recursos tróficos constitui um factor limitante da produtividade das colónias; iv) desenvolvimento de campanhas de sensibilização dirigidas em  especial  a  proprietários  das  construções  onde  a  espécie  nidifica,  agricultores  e pastores, bem como ao público em geral.

in Livro Vermelho dos Vertebrados


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