sábado, 4 de junho de 2011

Centenário da Igreja Paroquial de São Mateus da Calheta

Igreja Nova, 1903
Foto de Álbum Açoriano
Celebram-se hoje os 100 anos da bênção e abertura da Igreja Nova em São Mateus da Calheta, diocese dos Açores.

Não poderia obviamente ficar indiferente ao centenário do templo que marcou a minha vida religiosa até ao meu quarto de século...
Igreja Nova, 1907
"A necessidade de uma nova Igreja, que substituísse a Velha, já vinha sendo sentida desde antes de 1890, embora datem dessa época as primeira referências ao assunto, encontradas no livro de actas da Junta de Paróquia da época. O Padre José Bernardo Corvelo, falecido em 1898, foi o seu mentor, embora tenha sido construída e concluída pelo Padre Manuel Maria da Costa.

Todas as obras foram geridas por uma Comissão Autónoma, presidida pelo Padre Manuel Maria da Costa. O período final das obras (1911) coincidiu com o derrube da Monarquia e a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, época muito conturbada para o poder clerical.
Igreja Nova, cerca de 1910
O projecto da Igreja Nova foi da autoria de António Baía Paixão, das Obras Públicas, impulsionado pelo vigário Manuel Maria da Costa, que fez os primeiros "rabiscos".

As cantarias foram extraídas entre a Canada de Entre Picos e a Canada do Capitão-mor, no prédio do Visconde das Mercês, onde foi aberta uma pedreira. As pessoas da freguesia que tinham carros de bois davam um dia por semana para carrear a pedra para a igreja, que descia a Canada do Capitão-mor e "abriu" a nova Rua da Igreja.
Igreja Nova, cerca de 1925
Foto de Manuel Machado Cardoso
Foi no dia 29 de Agosto que se efectuou a primeira compra de cal para as obras, que seriam inauguradas, com a bênção da primeira pedra, no dia 21 de Setembro de 1895, conforme se transcreve: «Sábado, dia de São Mateus. Bênção da primeira pedra da Igreja Nova. O tempo estava muito bom, parecia Verão. Pelas 10 horas e 30 minutos reuniu-se o povo, clero e entidades oficiais na Igreja (Velha) para seguirem em procissão até ao local do lançamento da primeira pedra da Igreja Nova. A procissão, com a imagem de São Mateus, foi presidida pelo Padre Belarmino José da Silva, vigário das Cinco Ribeiras, mas filho de São Mateus.

Foi celebrada missa campal no local da nova igreja pelo vice-vigário Padre José Bernardo Corvelo. Depois seguiram em procissão, pela nova "Rua da Igreja" acima e Canada do Capitão-mor abaixo até à Igreja (Velha)».
Igreja Nova, cerca de 1940
Foto de Daniel Ferreira de Borba
No ano do início das obras, a comunicação local fez eco e elogio a essa grande obra. As obras seguiam a um ritmo muito acertado, para a época, porque em 1898, aquando da morte do Padre José Bernardo Corvelo, já «se achava toda lançada e elevada acima do solo, no geral à altura de dois metros, e na frente incluindo as torres cerca de cinco metros e oitenta centímetros. (...)».

No decurso da obra, foram vários as ofertas e subsídios recebidos, mas foi a força do povo de São Mateus, liderado pelo Padre Manuel Maria da Costa que fez chegar a obra a bom fim.
Igreja Nova vista de Merens, cerca de 1950
Foto de José Gaspar Rosa de Lima
Em 1908, Gil Vaz publicou um artigo no jornal "O Tempo" insurgindo-se contra o que chamou "monstruosidade da nova igreja de São Mateus". Foi na época considerada uma obra de custos superiores aos que a freguesia poderia suportar, nomeadamente para o fim dos trabalhos, que acabaram na época republicana, data muito conturbada para o poder religioso.

Foram vencidas as dificuldades e a inauguração foi marcada para 04 de Junho de 1911, Domingo de Bodo. A transcrição do Auto de Bênção elucida bem da importância da obra e do dia:
Igreja Nova, 2 de Janeiro de 1980
Foto de "10 Anos após o sismo de 80"
Auto da Bênção da Igreja de São Mateus da Calheta

«Aos quatro dias do mês de Junho de mil novecentos e onze, «Domingo de Pentecostes», nesta freguesia de São Mateus da Calheta, compareceu o Excelentíssimo e Reverendíssimo Monsenhor António Maria Ferreira, Protonotário Apostólico «ad instar», cónego capitular da Sé de Angra, Vigário Capitular deste Bispado pelo Ilustríssimo e Reverendíssimo Cabido Sede Episcopali vaccante, e tendo dias antes visitado a nova igreja, cuja construção esta freguesia com o seu pároco há anos anda promovendo, procedeu-se à bênção da mesma Igreja, seguindo em tudo o que prescreve o ritual romano. Concluída a bênção, o mesmo Excelentíssimo Vigário Capitular celebrou o Santo Sacrifício da Missa, e depois dirigiu a palavra ao clero e fiéis presentes, referindo-se ao zelo, piedade e constância com que o muito reverendo Vigário Manuel Maria da Costa e seus coadjutores Padre António Barcelos de Lima e Domingos José Brasil, e seus paroquianos têm trabalhado para a construção deste novo templo, que depois de dezasseis anos, e hoje aberto para os actos do culto público como era tão necessário e urgente, visto que a velha igreja desta freguesia não podia compreender já a sua população e além disso tem corrido grande risco de ser levada pelo mar em vários ciclones. Referiu-se também ao nunca esquecido Padre José Bernardo Corvelo que tanto se esforçou para ser iniciada esta obra com o maior zelo, generosidade e fervorosa piedade que tanto o distinguia. Contava plenamente que algumas coisas que faltavam para ser inteiramente concluída a magnificência deste formoso templo bem depressa se realizarão pela caridade e zelo dos dignos Padres e seus paroquianos beneméritos. E para todo o tempo constar este jubiloso acontecimento se lavrou o presente auto que vai ser assinado pelo Excelentíssimo Vigário Capitular, Clero presente com outras pessoas que o quiserem assinar. E deste se tirará cópia autêntica para ser remetida à secretaria eclesiástica do Bispado, devendo o original ficar cuidadosamente guardado no arquivo desta paróquia. E eu presbítero João de Melo Bulhões, servindo de secretário o escrevi, de ordem do Excelentíssimo Vigário Capitular. O Vigário Capitular Monsenhor Cónego António Maria Ferreira, Vigário Manuel Maria da Costa, Vigário João Bernardo Corvelo de Ávila, António Francisco da Costa, general reformado; Raul de Távora e Araújo Meireles da Canto e Castro, alferes de cavalaria; Tomé de Castro, Francisco Ferreira Belerique, Dâmaso Aurélio, João Correia de Melo, Manuel Caetano de Freitas, Padre João Manuel Bulhões, José Vieira da Fonseca, Presbítero  António Barcelos de Lima, Presbítero Luís Casimiro, Cura Domingos José Brasil, João José Sabino, Manuel Jacinto Fisher, José Garcia de Melo, António Ávila Sabino, Francisco Inácio de Freitas, João Evangelista de Sousa, Miguel Machado Gomes, José de Sousa Lima, Francisco José Brasil, José Tomás Gomes, Francisco de Sousa Brasil, José de Todos os Santos, João Jacinto Fisher, João de Ávila Sabino, António Soares das Neves, João Maria de Lemos, José Brasil de Lemos, António Machado de Lemos, Nicolau de Sousa, João de Brito Pacheco, Manuel Garcia de Ávila, João Maria Alves e Francisco Teodoro Fernandes».
Igreja Nova em reconstrução, 1983
Foto de Junta de Freguesia de São Mateus
Alguns dos nomes constantes deste auto de bênção têm importância histórica, mas há outros, que devem ter tido influência na construção da igreja, mas dos quais não obtivemos informação.

Manuel Maria da Costa, pároco da freguesia entre 1885 e 1919; Vigário João Bernardo Corvelo de Ávila, natural de São Mateus e pároco da Terra Chã até 1912, ano que faleceu; António Francisco da Costa, general reformado; Raul de Távora e Araújo Meireles da Canto e Castro, alferes de cavalaria, da Quinta de Merens, família que ajudou na construção; Tomé de Castro, da Agência da Empresa Insulana, que ajudou no transporte de materiais, via marítima, entre o cais da cidade e o porto de São Mateus; Francisco Ferreira Belerique, o Ferrão da Casa da Terra Alta, onde escrevo estas linhas, que ajudou na construção da igreja e era, na data, Presidente da Comissão Administrativa da Junta de Paróquia; João Maria Alves, Dâmaso Aurélio, João Correia de Melo, Manuel Caetano de Freitas, Manuel Jacinto Fisher, José Garcia de Melo, José de Todos os Santos, Nicolau de Sousa (da venda), João Jacinto Fisher, José Brasil de Lemos, João Maria de Lemos, Francisco de Sousa Brasil, José de Sousa Lima, todos membros de diversas Juntas de Paróquia; João Evangelista de Sousa (Antonico), membro que foi da Junta e doador da imagem do Sagrado Coração de Jesus; João José Sabino, professor primário, pai do Padre António Ávila Sabino, que foi pároco da Terra Chã entre 1919 e 1958; José Vieira da Fonseca, o regedor; Padre João Manuel Bulhões; Presbítero António Barcelos de Lima, que também foi pároco de São Mateus e natural da freguesia; Presbítero Luís Casimiro, que viria a ser pároco da freguesia entre 1919 e 1966; Cura Domingos José Brasil; João de Brito Pacheco, da venda do Cara Suja na Terra Alta; Manuel Garcia de Ávila, avô materno de Orlando Ávila (Totó).
Igreja Nova, 2005
Foto de Junta de Freguesia de São Mateus
Augusto Pereira Dias foi um dos pedreiros que participou na construção da Igreja, segundo informação da neta.

No dia 20 de Março de 1903, faleceu Francisco Machado Pintado, caindo dum andaime, única vítima da obra.

Foi doadora do terreno para a construção da igreja - Mariazinha da Costa - Maria José da Costa, que nasceu em São Mateus a 9 de Julho de 1841, dois anos antes do irmão, Padre Manuel Maria da Costa, e faleceu a 3 de Dezembro de 1923, na casa da Capitão-mor que foi propriedade de João Fisher e hoje é de Daniel Ferreira de Borba (Estôpa), com o n.º 74. Era casada com Francisco Bernardo da Costa, que não estava de acordo em ceder o terreno para a construção da igreja. Não tinham filhos.

O marido foi a única vítima, em São Mateus, do temporal de 28 de Agosto de 1893, que danificou a Igreja Velha. Moravam no Terreiro, na casa que foi do José de Guarda.

Mariazinha da Costa não consta do Auto da Bênção da igreja. Alguma questão de saúde, atendendo a que esteve muitos anos doente, ou a sua condição feminina, poderão explicar a sua ausência. É bom notar que não há qualquer nome feminino no documento referido, facto natural para a época.
Igreja Nova vista do mar, 2005
Foto de Fotonan
Total gasto nas obras até ao dia da inauguração: 44.295$277 (quarenta e quatro contos duzentos e noventa e cinco mil duzentos e setenta e sete reis insulanos), dos quais faltava pagar 1.901$787 (um conto novecentos e um mil setecentos e oitenta e sete reis insulanos), havendo já orçado 230$000 (duzentos e trinta reis insulanos), totalizando 44.525$277 rei insulanos.
Igreja Nova vista da Canada da Arruda, 2006
Foto de Fotonan
Os sinos novos só chegaram em 1921 e 22, anos em que foi feita a sua bênção.

...

É a maior e a mais alta igreja rural de toda a ilha e a mais alta dos Açores, com duas torres, medindo 36,20 metros de altura. Cada torre tem seis sineiras, mas a do lado poente não tem sinos e a do lado nascente tem três. Esta, mede mais 5 cm do que a outra.

Vitorino Nemésio chamou-lhe a «(...) majestosa "Basílica de São Mateus"»."

in "Subsídios para a História de São Mateus da Calheta" de Liduino Borba
Igreja Nova, 2006
Foto de Fotonan

4 comentários:

Henrique Luiz / Chefe Açor disse...

Parabéns por seu trabalho. Sou nascido em S. Mateus, na casa do meu avô paterno; Mestre Jose Silveira Luiz - conhecido como José Fialho - à Ladeira do Passinho, em 2 de fevereiro de 1947.
Henrique Alberto Silveira Luiz

SÍLVIO RIBAS disse...

Sou brasileiro, de Curvelo, Minas Gerais. Gostaria de ter mais informações sobre a família açoriana do fundador de minha cidade, Padre Corvello.

José Cardoso disse...

Sílvio Ribas como diz o título deste blogue resido no Litoral Alentejano, já saí dos Açores à 24 anos por isso certamente não o poderei ajudar.
No entanto, na eventualidade de algum leitor deste blogue o poder ajudar, terá de ser mais explicito... Os Açores são 9 ilhas, dificilmente alguém que não viva na ilha de naturalidade do Padre Corvello lhe poderá conseguir informações.

Unknown disse...

Estimado Henrique,

Estou aqui comovido de lhe encontrar e admirando sua fotografia ! Sou Alexandre Silveira Henriques, bisneto de Joao Silveirá Luiz casado com Antônia de Jesus e moradores da Rua dos Biscoitinhos. Como meus bisavós embarcaram para o Brasil em 1897 e tanto meus pais quanto demais ascendentes não me exatamente qualquer história da familia estou muito feliz em encontrar-lhe. Poderíamos estreitar nossos vínculos?

Um forte abraço a ti e muitas felicidades, Alexandre