quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Estudos sobre a Juventude Portuguesa do Século XX

Até ao presente, o conhecimento acumulado pela historiografia contemporânea nacional é, no que respeita à juventude, tão limitado quanto disperso. Tal conhecimento é, também, produto directo e indissociável do percurso trilhado pela própria disciplina, condicionado pela variação de interesses dos investigadores da especialidade. Ao contrário da motivação que o período contemporâneo provocou nos historiadores do século XIX (como Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Teófilo Braga ou Sampaio Bruno), grandemente devida ao ambiente de activismo político (liberal, socialista e republicano) por aqueles protagonizado, a produção do século passado tardou na atenção ao seu próprio tempo. Esta, centrada até à década de sessenta do século XX nas épocas antiga, medieval e moderna (excepção feita a incursões como a de Jaime Cortesão), passou a partir de então a fixar-se no passado próximo, muito marcada durante as duas décadas seguintes por autores situados em oposição ou reacção ao Estado Novo.

Nos anos oitenta e noventa, factores como a democratização e o crescimento da própria produção académica determinaram uma verdadeira explosão de trabalhos sobre o período, nomeadamente sobre o Liberalismo, Republicanismo e Estado Novo, a par do alargamento e renovação do espectro de tendências historiográficas.
Quais as formas de enquadramento juvenil geradas pela sociedade portuguesa novecentista? Buscou-se resposta no estudo das esferas familiar, estatal (escolar e castrense), laboral e religiosa, as quais se revelaram verdadeiro oligopólio educativo nacional, secularmente constituído. A caracterização da juventude no Portugal dos séculos XIX e XX, época do desenvolvimento de uma nova sensibilidade ocidental para com a infância e juventude, foi involuntariamente iniciada por trabalhos historiográficos e sociológicos relativos ao sistema escolar e correntes de ensino, bem como a organizações políticas, estatais e religiosas (leia-se, católicas). Todavia, e tanto quanto nos foi possível inventariar, mantêm-se por inaugurar ou aprofundar as linhas de estudo relativas a várias estruturas e fenómenos, como o enquadramento militar não-profissional dos jovens e suas consequências; o estabelecimento de formas confessionais não-católicas de organização juvenil e a criação e actividade de associações de juventude no seio de colectividades (estudantis, mutualistas, desportivas, recreativas e de socorros).

No respigar da produção das últimas duas décadas, foi possível identificar “sub-disciplinas” onde – por ordem decrescente – a juventude foi lateralmente abordada: a historiografia da educação; a historiografia política e das elites; a historiografia religiosa. A maioria destes trabalhos respeitam a provas académicas, e uma pequena parte encontra-se incluída em obras de síntese e em monografias. A sondagem da bibliografia subjacente a este artigo (e à homónima dissertação em preparação) testemunhou uma maior dívida para com os estudos de História da Educação, na sua maioria da autoria, direcção ou orientação de António Nóvoa, (não esquecendo os contributos menos recentes de Rui Grácio e Rómulo de Carvalho). Nesse âmbito foi possível contextualizar a dimensão pedagógica, circum-escolar e biográfica de muitos dos aspectos e personagens envolvidos no fenómeno juvenil a analisar – o escutismo. O estudo da História Política permitiu o acesso aos trabalhos dedicados às organizações de juventude estatais (Acção Escolar Vanguarda, Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, por António Costa Pinto, Simon Kuin e Irene Pimentel, entre outros), possibilitando a detecção de pontos de tensão e contacto com as associações escutistas, bem como com quadro de poder estabelecido no período, regulador de toda a vida social.
Por último, a importância da dimensão religiosa no escutismo levou à leitura do estudo especializado das fórmulas de enquadramento juvenil confessionais, com realce para as católicas (no âmbito da Acção Católica Portuguesa), sintetizadas em trabalhos da autoria de Paulo Fontes.

Apenas lográmos encontrar um único ensaio português sobre História da Juventude, da autoria de Rui Bebiano. Este investigador-associado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra produziu tal reflexão a propósito de um projecto de investigação encetado no referido centro, denominado “Culturas Juvenis e Participação Cívica”.

Para além da historiografia produzida no âmbito do mundo universitário, cabe mencionar, no contexto dos contributos para a caracterização da juventude portuguesa contemporânea, o potencial das fontes primárias e secundárias acumulado (e preservado) pelas instituições, organizações e associações de juventude. Se muitos destes colectivos não possuíram uma orgânica vocacionada para a preservação arquivística, boa parte das estruturas e fenómenos sociais juvenis que abaixo elencamos produziram aquilo que podemos designar por crónicas, memórias ou trabalhos amadores, usualmente editados por ocasião da comemoração de datas fundacionais.

Tal se verificou aquando da pesquisa e selecção de fontes acerca do escutismo, detendo tal base memorialística, para lá dos efectivos escolhos apontados por John Springhall, informação relevante e remissão a outras fontes (usualmente mais precisas), como as legislativas. As fontes supracitadas determinaram, segundo a tipologia anteriormente proposta, uma abordagem historiográfica ao escutismo do primeiro tipo citado, ou seja, uma “abordagem institucional”.

in LUSITÂNIA SACRA XVI
A INTRODUÇÃO DO ESCUTISMO EM PORTUGAL
 de ANA CLÁUDIA S. D. VICENTE

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