quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Para uma História da Juventude em Portugal

O estudo do escutismo português revela raros precedentes de natureza historiográfica. Por isso, a montante da concreta investigação desse objecto, impõem-se a justificação de tal escolha e a explicitação da perspectiva científica utilizada na presente abordagem.

A opção pelo estudo do escutismo radica no pressuposto de que o conhecimento das estruturas e movimentos sociais relativos à juventude, como o escutismo, enriquecerão o quadro da História Social Contemporânea de Portugal, objectivo apriorístico da dissertação de mestrado que originou este artigo. E é a juventude categoria social ou objecto histórico pertinente?

Se aceitarmos que o processo de crescimento humano, cujo ponto de viragem é a puberdade, não se encontra somente determinado pela fisiologia da espécie, mas também por um processo social espacio-temporalmente variável, a resposta será necessariamente positiva. Assim sendo, da observação do condicionamento colectivo da criança e do jovem pela comunidade em que se inserem se poderão retirar elementos destinados tanto à caracterização de uma nova geração, quanto da sociedade que a envolve.
Os estudos de História da Juventude são uma realidade científica relativamente recente. Foram lateralmente aflorados, na década de sessenta do século XX, por Philippe Ariès, a propósito da sua investigação sobre a família. Até meados daquela década não se conheceu, no campo desta ou de outras ciências sociais, registo de estudos sobre a juventude enquanto entidade social, económica ou política. Na fase seminal compreendida entre 1960 e 1982, para além do destaque obtido no meio académico anglo-saxónico pelas obras de Edward Shorter e Joseph Kett, desenvolveu-se uma primeira vaga de estudos sociológicos e históriográficos sobre novas gerações em diferentes períodos, com ênfase nos mundos académicos germânico e francês. A obra do norte-americano John R. Gillis, Youth and History, foi o primeiro momento de conceptualização e síntese da recém-nascida área de estudos. Apenas por essa época o próprio termo “juventude” se vulgarizou na gíria académica ocidental, alargando-se a breve trecho à restante sociedade. A partir de 1982, ocorreu a pulverização e sectorialização dessas investigações à escala global, com maior incidência na Europa, Estados Unidos e Canadá. Na sequência daquelas, duas novas sínteses de conhecimento surgiram  durante as décadas de oitenta e noventa, da autoria de Michael Mitterauer e de Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt. Até ao presente, o mais abrangente dos trabalhos realizados nesta área de estudo foi fruto do inquérito empreendido pela Comissão Internacional de História dos Movimentos e Estruturas Sociais, durante dois colóquios internacionais da especialidade, ocorridos em Montréal (1988) e Madrid (1990). Coligidos e editados os relatórios provenientes de todos os continentes do globo, deles resultou uma lata panorâmica sobre o corpus historiográfico respeitante à juventude.
Da leitura dos trabalhos acima referenciados, foi possível perceber o objecto juvenil como agregador de preocupações teóricas e abordagens metodológicas de vária natureza. Numa tentativa de sistematização foram identificados, no âmbito da História da Juventude, quatro tipos de estudos, geradores de outras tantas “sub-disciplinas”. Um primeiro, e o mais antigo, consubstanciou-se na investigação de instituições de educação da infância e juventude (escolas, asilos, organizações e associações, públicas e privadas), criadas e dirigidas por adultos. Numa segunda fase, apoiados no conhecimento entretanto adquirido, emergiram outros dois tipos de historiografia juvenil: um, atento às formas de condicionamento e envolvimento político da juventude, entendido como a faixa mais radical e mobilizável de um colectivo; outro, focado nas formas de associação espontânea nascidas e geridas no próprio seio juvenil. Por último, desenvolveu-se, a partir de final da década de oitenta, a (mais estrita) aproximação socio-histórica ao desenvolvimento de culturas e sub-culturas de interesse, num quadro social em que o termo “juventude” extrapolou o conceito etário original para dar lugar a uma categoria de contornos mais difusos e crescente protagonismo social.

E qual é, no momento, o estado da arte em Portugal?

in LUSITÂNIA SACRA XVI
A INTRODUÇÃO DO ESCUTISMO EM PORTUGAL
 de ANA CLÁUDIA S. D. VICENTE

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