Em Setembro de 1913 foi nomeado presidente da recém-nascida associação António Sá Oliveira; Eduardo Moreira ocupou o lugar de Secretário e Melo Machado o de Escoteiro-Chefe Geral. Sá Oliveira dirigiu ainda a série inicial d’O Escoteiro (1915-1918), primeiro órgão de difusão da AEP e primeiro periódico português dedicado ao escutismo. Óbvio motivo da eleição de Sá Oliveira foi o seu indiscutível currículo pedagógico e prestígio social, bem como a promoção, no Liceu Pedro Nunes, de inúmeras actividades de self-governement e associativismo juvenil, e da implementação de metodologias de ensino activo, pioneiras à escala nacional.
A formação de cidadãos foi, desde a implantação do regime republicano, um aspecto fundamental, coincidindo essa fase com um dos períodos de mais larga difusão do movimento Escola Nova. À AEP prestaram várias colaborações João de Barros, Álvaro Viana de Lemos, Faria de Vasconcelos e Sá Oliveira, sob a forma de artigos nos seus periódicos; João de Barros confiou ao Grupo Nº 11, sediado no Liceu Luís de Camões a partir de 1915, dois dos seus três filhos, Henrique e Paulo de Barros.
No fim dos primeiros cinco anos de vida da associação, os resultados desapontavam ainda Melo Machado: «cinco anos, trezentos escuteiros – um resultado mínimo (…)». Oferecia como explicação para uma produção «menos que modesta, quasi desanimadora» a «falta de dinheiro», apelando à contribuição de beneméritos. Entre outros factores, o crescimento da AEP foi condicionado pela participação dos primeiros escoteiros em situações excepcionais na vida da capital, noticiadas recorrentemente pel’O Século, entre 1914 e 1918. Essa intervenção, muitas vezes efectuada em situações de perigo físico – que ficou para a crónica oficial da AEP como o “tempo heróico” do escotismo – terá contribuído para a resistência social na adesão ao fenómeno. Eram os escoteiros um grupo de autoeducação ou um corpo de socorro? A percepção do poder político parecia ser a última, suportada pela disponibilização dos grupos à requisição governamental para diversas tarefas, como a substituição de funcionários públicos em greve e prestação de cuidados de enfermagem. Logrou-se a oficialização da AEP, pelo Decreto Nº 3120-B, de Maio de 1917. Para a sua legalização, a colaboração de Eduardo Alberto Lima Basto foi fundamental; o então Ministro do Comércio favoreceu e assinou o decreto-fundador da AEP, sendo já nessa data os seus filhos Alberto, Eduardo e Edmundo escoteiros da associação.
A AEP manteve-se numa situação de total exclusividade legal até 1919, data em que a União dos Adueiros de Portugal, criada em 1914, foi reconhecida. Cada grupo tinha divisões que congregavam até cinco patrulhas, compostas por seis a nove rapazes. A sua progressão iniciava-se na fase de aspirantado e, após compromisso de honra, podia um jovem ser escoteiro de 3ª, 2ª ou 1ª classe, tendo como etapa de excelência última a categoria de Escoteiro da Pátria. Apesar se terem legalizado no país, entre 1919 e 1925, duas novas associações, facto inevitavelmente concorrencial, a década de vinte foi marcada por interessantes experiências escotistas. Em 1920 e 1924 foi promovida a participação portuguesa no primeiro e segundo Jamborees; em 1922 foi criado o primeiro Campo-Escola de chefes da AEP, que teve lugar na Escola Normal de Benfica; o 1º Congresso de Scouting efectuou-se em 1925, presidido por João de Barros, nos Paços do Concelho lisboeta. Com regozijo foi anunciado o resultado do censo de 1925: em 1 de Abril havia 1159 escoteiros, o maior número desde a fundação.
A propósito de uma possível fusão de todas as associações de escuteiros, hipótese considerada no início das conversações para a Federação Escutista de Portugal (FEP), entre 1927 e 1928, abriu-se a primeira dissensão entre elementos da “primeira geração” de escoteiros e a Comissão Administrativa dirigida por Tovar de Lemos. A base de toda a conflitualidade vivida nesses anos, concluímos, assentou na clivagem entre duas posturas ou perspectivas existentes no quadro de dirigentes da associação, sendo uma mais “profissional”, oposta a outra mais “honorária”. A primeira geração de boy scouts (Henrique de Barros, Fausto Salazar Leite e Dinis Curson, bem como com Mário Silva Jacquet, Francisco Castro Caldas, José Maria Galvão Teles e Eduardo Lima Basto, entre outros), escoteiros de carreira que em 1928 tinham sete, oito, dez, ou quinze anos de caminhada na AEP, encontrando-se em funções directivas como Comissários na Zona de Lisboa e na Comissão Administrativa da Direcção Central, prezava acima de tudo a experiência prática e técnica do escotismo; esta compadecia-se progressivamente menos com os elementos da Direcção Central que, tendo-se filiado no escotismo em fase adiantada da vida adulta, exerciam há alguns anos actividades administrativas ou de representação junto de outros organismos, detendo contudo autoridade e influência sobre as actividades dos grupos de que, na prática, pouco sabiam. Em consequência, em Dezembro de 1931, foi convocada uma Conferência Nacional de Dirigentes da AEP, onde estiveram representados quase todos os grupos da associação. Foi derrubada, com mais de dois terços de votos, a Comissão Administrativa de Tovar de Lemos, e empreendida a alteração de Estatutos e Regulamento Geral, legalizada em Decreto Nº 21397, de Junho de 1932, passando a Conferência de Dirigentes a órgão máximo da associação.
Durante o ano de 1935 aproximaram-se da AEP novos protagonistas, sem experiência escotista e indubitavelmente próximos do regime. Fosse por imposição exógena ou estratégia de sobrevivência dos próprios grupos “aépistas”, em Julho de 1935, na 3ª Conferência de Dirigentes, foi eleito Presidente da Comissão Permanente Pedro Teotónio Pereira, que por ter sido indigitado para Ministro do Comércio e Indústria resignou, sendo em 4 Abril de 1936 substituído pelo Capitão Álvaro Afonso dos Santos, eleito em Conselho Permanente presidente desse órgão, bem como da Comissão Executiva. Para marcar a nova posição, Afonso dos Santos fez regressar à Comissão Permanente Alfredo Tovar de Lemos. O órgão da AEP afirmava que a desoficialização do escotismo português não significava uma quebra da sua actividade, em contradição clara com a declaração de António Carneiro Pacheco, proferida no momento em que avançou, em primeira mão, a informação que havia de ser publicada por Portaria Nº 8488: a «desoficialização do movimento escutista, do qual, como todas as organizações similares aproveitaria a boa lição e a boa técnica e as boas vontades», pela «necessidade duma concentração de todos os esforços em um programa nitidamente nacional, a realizar pela articulação da escola com as organizações cooperadoras do programa educativo próprio do Estado.»
Em 1941 Cortez Pinto passou a presidir à AEP, Franklin António de Oliveira tornou-se Comissário Geral e Alfredo Tovar de Lemos presidiu à Comissão Executiva, o qual fez questão de deixar claro que, a partir de então, os escoteiros-chefes deveriam dizer-se parte de “uma associação nacionalista”. A exteriorização de apoio ao regime instituído teve no início da década de 40 marcada importância, sendo exemplo a participação na homenagem pública a António de Oliveira Salazar, ocorrida no dia 4 de Maio de 1941.
in LUSITÂNIA SACRA XVI
A INTRODUÇÃO DO ESCUTISMO EM PORTUGAL
de ANA CLÁUDIA S. D. VICENTE
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