Fiz isso – diz minha memória. Não posso ter
feito isso – diz meu orgulho e permanece
inexorável. No final, a memória cede.
Nietzsche aponta que entre memória e esquecimento existe um embate onde a força da lembrança é vencida pela força do orgulho. O que está em jogo é a preservação da identidade contra a segregação que a ameaça. A constituição de uma memória demanda a exclusão daquilo que põe em choque a imagem que se procura preservar.
O esquecimento é um ato que requer forças muito intensas para sua realização e pode ser pensado como libertador, como uma possibilidade de sossego ou uma porta que permite a entrada do novo. Por isso, Nietzsche critica as tendências do senso comum de tratar o esquecimento como uma determinação negativa, de não reconhecer seu carácter activo e positivo: “Esquecer não é apenas uma força inercial, como crêem os superficiais, mas uma força inibidora, activa, positiva no mais rigoroso sentido [...] o esquecimento é uma espécie de guardião da porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da etiqueta: com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade, esperança, orgulho, presente, sem esquecimento”. (Nietzsche, 1978)
Neste jogo entre lembrar e esquecer, as imagens fotográficas cumprem seu papel: são legitimadoras de acontecimentos que queremos preservar. Cada fotografia que tiramos é uma maneira de dizer à nossa memória o que deve ser guardado e o que deve ser esquecido, numa tentativa de construir e comprovar um passado. Ao conservá-las ou contemplá-las estabelecemos um ritual de culto doméstico, através do qual reafirmamos a nossa identidade no meio social em que estamos inseridos.
A característica fragmentária da fotografia permite registar apenas aquilo que desejamos lembrar e possibilita escolher e construir uma história fotográfica própria, muitas vezes diversa da verdadeira. O anseio por exercer controle sobre nossa própria felicidade nos incita a tirar fotografias, porque através da imagem transitamos o caminho da auto-ilusão.
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