No conto "A Aventura de um Fotógrafo", Antonini é um homem angustiado pela impossibilidade de captar, através da fotografia, a essência das coisas. Nesta história, Ítalo Calvino (1993) ilustra com originalidade o corte e a fragmentação da realidade através da fotografia. Na medida em que o fotógrafo é obrigado a escolher apenas um momento e um ângulo determinado na continuidade do real, para Antonini, a única maneira de preservar vivências seria disparar pelo me-nos uma foto por minuto. Ininterruptamente, sempre e a cada instante fotografar.
A proposta absurda do protagonista do conto de Calvino nos faz pensar sobre algumas questões que resultam do corte que origina as imagens fotográficas e em como esta fragmentação do tempo vivido se reflecte em nossa relação com a memória. Quando fotografamos determinamos uma ruptura, estabelecemos os limites daquilo que queremos ver. Ao accionarmos o obturador, seleccionamos um instante e um espaço entre todos os outros possíveis. O resultado desta escolha é a fotografia. Esta selecção feita pelo fotógrafo torna-se, muitas vezes, a única referência de um passado esquecido, pois a imagem fotográfica pode ser guardada, revista, incessantemente contemplada.
Partindo do quadro estático e bidimensional que é a fotografia, iniciamos muitas vezes um longo percurso. Ela funciona como uma máquina que nos permite voltar ao passado. Ao tornar-se perene, ao ser seu próprio contínuo, a fotografia nos transporta de um tempo cronológico a um tempo memorial afectivo, onde as lembranças fixadas na imagem substituem pessoas e acontecimentos reais que se perdem. Nessa viagem, no entanto, levamos o presente: nosso modo de ver, nosso corpo, nossa vivência. A subjectividade de nosso olhar constrói novos significados, transformando, com frequência, imagens aparentemente inalteráveis.
Para Fernando Braune (2000) esta capa cidade de estabelecer uma ruptura na continuidade temporal faz inevitável uma aproximação entre fotografia e simulacro, uma vez que o próprio tempo, de uma forma ou outra, afasta a fotografia de nossa realidade. Ao longo dos anos a imagem fotográfica se reveste não apenas de lembranças e de todo o manancial emotivo que elas evocam, mas também de uma excentricidade proporcional à distância que a apresenta em relação ao que somos e como percebemos o mundo no presente.
Em outras palavras: com o decorrer dos anos, nossa percepção das coisas se altera, e com ela, nossos juízos de realidade e de valor. Na maior parte das vezes, lembrar é também uma maneira de recriar o passado. Como em uma ruína restaurada, novos e antigos materiais se misturam; o que desapareceu pode ser visualmente refeito, mas nunca trazido totalmente de volta.
A fotografia, como os espaços de nossa infância, depende do nosso olhar para construir significados. Como resulta de uma cisão determinada, com o passar do tempo ela perde suas amarras. Inserida em novos contextos, a fotografia se transforma em um fragmento difuso e intangível, aberto a qualquer tipo de leitura.
Amalia Creus
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