Num de seus contos – Funes, el memorioso – Borges nos mostra do que seríamos privados caso o esquecimento resultasse uma tarefa impossível. O protagonista, Funes, após sofrer um golpe na cabeça adquire dois surpreendentes talentos: uma percepção absoluta das coisas e uma memória notavelmente poderosa. Capaz de narrar interminavelmente e com exactidão tudo aquilo que havia visto, ouvido, tocado, cada detalhe perceptível e cada instante vivido era imediatamente convertido em lembrança.
O que Funes percebia nos mais mínimos detalhes em um dado momento era imediatamente confrontado por uma nova percepção dessa mesma coisa junto às intermináveis nuances que uma mudança de movimento, iluminação e postura implicavam. O personagem de Borges, diante de tantas memórias e percepções diversas de uma mesma coisa, sentia-se impossibilitado de compreender o mundo que o rodeava.
O que Funes percebia nos mais mínimos detalhes em um dado momento era imediatamente confrontado por uma nova percepção dessa mesma coisa junto às intermináveis nuances que uma mudança de movimento, iluminação e postura implicavam. O personagem de Borges, diante de tantas memórias e percepções diversas de uma mesma coisa, sentia-se impossibilitado de compreender o mundo que o rodeava.
A formulação de um conceito implica postular a identidade e a permanência de alguma coisa; portanto precisa do esquecimento. Uma memória plena, como a de Funes, que não se distinguisse da consciência, que não diferenciasse o percebido do lembrado, não seria apenas insuportável, seria impossível. O esquecimento é imprescindível para a evocação da lembrança e para a própria constituição da memória. Somente lembramos porque somos capazes de esquecer.
Entre os tantos estímulos que nos chegam do mundo escolhemos, consciente ou inconscientemente, aqueles que guardaremos em nossa memória e aqueles que serão esquecidos. Poderíamos então perguntar: o que nos faz esquecer? O que estaria regendo nossas escolhas entre o que deve e o que não deve ser guardado na memória?
Amalia Creus
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