No clima de júbilo do acto de clausura do primeiro cursilho da história, há quase 40 anos, nessa pequena ilha do clássico Mar Mediterrâneo que é Maiorca, um dos dirigentes apresentou numa expressão atrevida e quase desafiadora, a segurança do êxito e a convicção da universalidade que caracterizavam aquele pequeno grupo de seculares que iniciavam o Movimento.
"Não pararemos até dar um cursilho na Lua".
Não era quimera, nem ingenuidade, nem prepotência; era esperança desde a fé. Tinha-se construído todo o método - apesar das incompreensões dos sábios - desde a pessoa e para a pessoa. E desta certeza surgia a convicção, nunca já resignada, de que o que nascia teria valor universal, e havia de percorrer terras e mares, fronteiras e continentes – talvez até espaços siderais -, porque onde houvesse uma pessoa que quisesse ser feliz ou lhe doesse não o ser, o método e o Movimento de Cursilhos algo teria que dizer-lhe e muito que aprender.
Pouco depois a nossa esperança foi tornando-se em alegria e experiência, iluminando novas esperanças. Os Cursilhos se estenderam primeiro a diversas zonas do território peninsular espanhol e depois, em 1953 deram um salto histórico até Colômbia. Em 1957 começariam também nos Estados Unidos, e no ano seguinte no México e pouco depois na Venezuela, e desde aí, imparavelmente já, ao resto do continente americano - do Novo Mundo -. E ao mesmo tempo ou pouco depois, a todos os pontos cardeais, num processo que não cessa.
Para quem iniciou a aventura dos Cursilhos, a América oferecia a imagem prévia de ser um continente de cores de fortíssimos contrastes, de múltiplas boas-vindas, de visão nova, onde se conjugava como em muitos poucos outros lugares a afirmação do individual e o sentido do outro e o do conjunto. Por sorte, no nosso entender, o Evangelho – apear de ter entrado em sons de conquista - era ali mais música que letra, mais eco geral do que burburinho, mais bússola do que norma.
Os Cursilhos pareciam-nos feitos à medida da sem medida das Américas.
Assim foi. A Nossa dimensão americana, numa primeira etapa, centrou-se essencialmente na oração e no desfrute do género epistolar. Nunca havíamos pensado que aprenderíamos tanta geografia para dirigir mais certeiramente a nossa oração até ao longínquo lugar onde se celebrava um novo Cursilho, e desde onde alguém nos escrevia com a mesma ilusão com que nós mesmos aprofundávamos na nossa própria realidade.
E o que percebemos há lá uma encarnação renovada e mais transparente do que já vivíamos aqui: que quando num determinado lugar e tempo os Cursilhos contam com um grupo de seculares enraizados na normalidade das suas vidas e preocupados e despejados nos seus ambientes laicos, na comunhão com um grupo de sacerdotes - ou até com só um - então os Cursilhos mantém-se vivos, dinâmicos e com vigor de estreia; e que, quando, por sua vez os Cursilhos gravitam em redor de impulsos pastorais expressamente intra-eclesiais, para alimentar ou melhorar outras obras e movimentos da Igreja como afã primário, então o Movimento adopta um timbre sacrificial que lhe faz definhar, ou um carácter de círculo fechado, onde a organização come a mística e onde vemos com tristeza que aos antes afastados da fé, primeiro se lhes aproxima, e depois se os cerca.
Hoje que os Cursilhos estão já nos cinco continentes, cremos poder afirmar que o testemunho que da América nos chega é globalmente dos mais enriquecedores, sem poder negar que tem também algumas lacunas que o carácter tão multiforme e até contraditório dessas cativantes terras faz se calhar por agora inevitáveis.
Preocupa-nos especialmente que estas limitações do Movimento dos Cursilhos na América possam ser transposição de defeitos ou carências nossas, transplantadas para lá desde a Espanha fundadora. Por caridade, que nada vincule a onda expansiva dos Cursilhos desde Espanha ao resto do mundo - e em concreto à América - com recordações de conquista nem com nostalgias de quinto centenário. Os Cursilhos não são de uma cultura, e por tanto tampouco de uma nação; ao menos assim quisemos que fossem, desde o seu início: gentis com os gentis.
Cremos que as diferenças de ritmo e de rumo detectadas, a que antes aludíamos, que estão presentes em toda a geografia dos Cursilhos, não são senão a transposição ao nosso tempo daquelas diferenças de foco na mensagem do Evangelho que já contemplamos nos Actos dos Apóstolos, entre Pedro e Paulo, ou entre circuncisos e não circuncidados. Oxalá saibamos criar nessas encruzilhadas o clima de reunião de grupo do final do relato apostólico, e converter em dinâmica criativa essas divergências, e o façamos nessa caridade feita de respeito e atenção à pessoa que é a mais profundamente envolvida nos Cursilhos.
Em qualquer caso, a América foi o lugar de onde o Movimento iluminou as suas definitivas estruturas unitárias e de comunhão: os secretariados nacionais, os grupos internacionais e o escritório mundial. A sua radical vocação de universalidade como movimento encontrou na profundidade plural e cósmica da América a sua própria dimensão.
Após estes quase 40 anos de presencia na América, continuamos a pensar que a América é um continente de cores, que ainda espera que alguém saiba dizer-lhe vivencialmente que essas são as cores mesmo da alma em Graça, de tal forma que possa ser plenamente ela mesma na alegria do Evangelho. Alguma estrofe desta canção temos já cantado entre todos, mas é preciso continuar cantando-a e peregrinando em pró da pessoa, aqui e ali, para que o canto se faça coral e magnífico.
E cremos que assim sucederá porque seguimos sem renunciar a "dar cursilhos na Lua " - se houvesse ali a quem dá-los -, e porque pensamos - como temos dito já - que:
"Uns homens, com ajuda da ciência e
do apoio económico, percorreram a
distância que há da pele do homem
à Lua; nós tentamos algo
imensamente mais difícil; chegar desde a
pele do homem a dentro do homem,
para conhecer melhor o caminho até
nós mesmos
e o caminho até os demais; para
tomar maior consciência da maravilha
do nosso viver; para melhor saber
conviver
com os demais homens
a aventura de ir sendo pessoa".
Eduardo Bonnín
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