Na sequência da petição entregue no Parlamento solicitando a retirada da lei da obrigatoriedade de os mecanismos portáteis com a configuração de armas de fogo das classes A, B, B1, C e D, utilizados na prática de airsoft, serem pintadas "com cor fluorescente, amarela ou encarnada, indelével, claramente visível quando empunhado, em 5 cm a contar da boca do cano e na totalidade do punho, caso se trate de arma curta, ou em 10 cm a contar da boca do cano e na totalidade da coronha, caso se trate de arma longa, por forma a não ser susceptível de confusão com as armas das mesmas classes" e passar a ser permitido que a energia à saída da boca do cano, para reproduções de arma longa com sistema de ferrolho, possa ir até 2,3J, ficando o actual limite de 1,3J apenas para as reproduções dotadas de capacidade de tiro semiautomático, fui hoje ouvido em audição no Parlamento.
Ao Grupo de Trabalho para Alteração da Lei das Armas, coordenado pelo deputado António Gameiro (PS), apresentei a seguinte exposição:
"Boa tarde,
O texto da petição em causa surgiu porque, desde 2006 que todas as alterações legislativas à Lei das Armas, condicionam cada vez mais a prática do airsoft, uma atitude que para mim, tal como para muitos outros praticantes da modalidade, não tem qualquer justificação plausível.
Até à entrada em vigor da Lei nº 5/2006, vigorava entre as organizações de jogos de airsoft em Portugal, um acordo de cavalheiros, em que as potências das AEG’s (réplicas automáticas eléctricas de armas de guerra) não podiam exceder os 350fps com BB’s de 0,20grs, o que corresponde a 1,135 Joule, enquanto as potências das réplicas utilizadas pelos atiradores especiais (vulgo “snipers”) não podiam exceder os 500fps, o que corresponde a 2,317 Joule.
De referir que, de acordo com as regras de jogo, uma réplica normal não pode ser disparada a menos de 5 metros de um adversário, enquanto uma réplica de atirador especial não podia ser disparada a menos de 20 metros de um adversário.
Enquanto o disparo uma réplica normal por norma não excede os 50 metros, o disparo de um atirador especial podia ser efectuado a até 80 metros, o que permitia a um atirador especial com um disparo de precisão eliminar um jogador adversário sem estar ao alcance das réplicas com muito maior capacidade de disparo automático utilizadas pelos mesmos e até graças às técnicas de camuflagem permanecer indetectado.
Com a entrada em vigor da Lei nº 5/2006 tudo isso mudou, agravando-se ainda mais com a Lei nº 17/2009…
Um atirador especial é obrigado a ter a sua réplica com uma potência máxima de 374fps, o que corresponde a 1,297 Joule, na prática só pode efectuar disparos ao alcance das réplicas dos restantes jogadores e sem poder recorrer à camuflagem integral que anteriormente lhe permitia não ser detectado porquanto a sua réplica neste momento tem de ter os 10 cms iniciais do cano pintados de vermelho ou amarelo fluorescente e a totalidade da coronha.
Como é óbvio num ambiente florestal, ou até dentro de um edifício um objecto com 10 cms de vermelho ou amarelo fluorescente, é facilmente detectado, ou seja muito provavelmente ainda antes do atirador especial efectuar um único disparo, já foi detectado pelos jogadores adversários. Posso afirmar que infelizmente no airsoft, os atiradores especiais, mais conhecidos como “snipers”, são algo em vias de extinção…
No entanto a questão da coloração vermelha ou amarelo fluorescente afecta também os restantes jogadores, por exemplo antes da entrada em vigor da Lei nº 5/2006, muitas vezes em jogo fui mandado render, por um jogador adversário, por me ter aproximado a menos de 5 metros dele sem me ter apercebido da sua presença. No entanto, no último jogo em que participei eliminei um jogador adversário, a mais de 30 metros de distância, porque apesar da camuflagem que usava ser indistinguível do ambiente florestal que o circundava, um objecto vermelho que aparentemente flutuava entre a vegetação a 60 centímetros do solo, permitiu-me fazer mira para uma abertura entre as árvores e quando o objecto vermelho se colocou entre elas disparar atingindo esse jogador.
Já em 2008 a quando da análise da Proposta de Lei nº 222/X, fiz chegar a esta Comissão uma exposição, em que manifestava a minha estranheza pela opção da pintura das réplicas de airsoft. Passados que são dois anos, toda a documentação divulgada entretanto veio acentuar a minha estranheza.
A Comissão Europeia concluiu em 27JUL2010 o relatório COM(2010)404 ao Parlamento Europeu e ao Conselho com o tema “A comercialização das réplicas de armas de fogo”, conforme lhe era estipulado pelo artigo 17º das Directivas 91/477/CEE e 2008/51/CE.
No ponto 3.1. diz: Assim, imitações mais ou menos realistas de armas de fogo são utilizadas no contexto de divertimentos ou de actividades de lazer relativamente novos, como o «airsoft»; trata-se, no caso em apreço, de uma actividade de lazer sob a forma de um jogo que opõe, em geral, duas equipas cujos jogadores estão equipados com uma imitação de arma (geralmente em plástico) que propulsa, por gás ou ar comprimido, esferas de 6mm ou 8mm em plástico. A potência de propulsão está, em geral, compreendida entre 2 e 7 joules.
No âmbito desse relatório a Comissão Europeia elaborou e remeteu aos Estados-Membros em Julho de 2009, um questionário cujas respostas a Comissão Europeia articulou em três categorias:
A primeira categoria engloba os Estados-Membros que não integram, ou não integram realmente, a noção de réplica na sua legislação: entre estes encontram-se o Luxemburgo, a Grécia, a Letónia, a Estónia, a Dinamarca, Chipre, a Eslovénia, a Bulgária, e a Finlândia.
A segunda categoria agrupa 15 Estados-Membros: França, Roménia, Áustria, Bélgica, República Checa, Espanha, Hungria, Irlanda, Itália, Malta, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Suécia e Alemanha. Agrupa legislações nas quais a noção de réplica (ou de reprodução) de armas de fogo pode aparecer de maneira mais funcional, sem que, no entanto, sejam indicados problemas particulares ou significativos.
O terceiro grupo é constituído por um conjunto de três Estados-Membros (Portugal, Países Baixos, Reino Unido) cujas legislações tentam melhorar o enquadramento no plano regulamentar ou legislativo da definição de réplicas/reproduções/«imitações realistas». Estes Estados-Membros exprimem igualmente uma preocupação variável no que diz respeito à convertibilidade de certas réplicas e à sua comercialização.
Assim venho a descobrir, que Portugal é um dos três países de toda a União Europeia que impõe legislação às réplicas. No caso específico do airsoft, impõe a segunda legislação mais restritiva de toda a União Europeia…
A mais restritiva é a legislação dos Países Baixos, que proíbe a venda e a comercialização de certas réplicas de armas de fogo, quer tenham ou não a capacidade de disparar projécteis, que possam ou não ser convertidas em armas de fogo verdadeiras.
De seguida temos Portugal que exige coloração específica das réplicas de airsoft, segundo o que declararam à Comissão Europeia, a fim de tentar prevenir qualquer confusão com verdadeiras armas de fogo.
Depois temos o Reino Unido, onde entrou em vigor em 01OUT2007, o Violent Crime Reduction Act, que tornou ilegal vender, fabricar ou importar ‘realistic imitation firearms’. Por essa razão foram criadas duas situações em relação às réplicas de airsoft, são de venda livre as réplicas chamadas ‘two-tones’ em que 50% da réplica é pintada de uma cor irrealista, especificamente das cores vermelho, laranja, amarelo, verde, rosa e lilás, tudo em tons brilhantes.
Para os jogadores de airsoft, foi criada uma excepção à lei, todos os jogadores tem de ser registados pelos campos na base de dados da UKARA (United Kingdom Airsoft Retailers Association), para esse registo o jogador tem de participar em pelo menos três jogos num período mínimo de dois meses. Para concretizar o registo o campo tem de remeter à UKARA o nome do jogador, morada, data de nascimento, foto tamanho BI, cópia do documento de identificação e cópia do comprovativo de morada. Os jogadores inscritos nesta base de dados podem adquirir uma ‘realistic imitation firearm’, ou seja podem adquirir as suas réplicas de airsoft sem qualquer pintura nem limites de potência.
Já em 2008 efectuei a comparação entre os números de crimes em algumas cidades do Reino Unido e Portugal, e a disparidade era evidente, mas olhemos para o Relatório Anual de Segurança Interna 2009, emitido pelo Sistema de Segurança Interna em Portugal, na página 40 temos um gráfico da Taxa de Criminalidade comparada de 15 países da União Europeia, verificamos que o Reino Unido ocupa o terceiro lugar com uma taxa de criminalidade de 91,4/1000.
Então se Portugal adopta restrições ainda maiores é porque a taxa de criminalidade deve ser muito mais elevada!
Erro puro… Portugal ocupa o último lugar da lista com uma taxa de criminalidade de 37,7/1000.
Então só me resta perguntar, porquê esta ânsia de restringir as possibilidades de confusão das réplicas de airsoft com as armas reais? Serão os cidadãos portugueses os menos merecedores de confiança de toda a União Europeia apesar de termos a menor taxa de criminalidade?
A União Europeia no seu relatório, já referido, diz no seu ponto 7.4.: Os casos relatados de conversão ilícita de pistolas de alarme e, mais geralmente, de utilizações mal-intencionadas de réplicas em intimidações ou «hold-up» devem contudo ser relativizados em relação ao número, bastante elevado na União Europeia, de pistolas de alarme (ou capazes de disparar projécteis inofensivos). Se associarmos a estas categorias os airsofts, chega-se, no exemplo da Alemanha, a uma estimativa compreendida entre 15 e 18 milhões de produtos detidos.
Aliás ainda o mesmo relatório termina com o ponto 9.11: São estas as razões pelas quais a inclusão no âmbito de aplicação da Directiva 91/477/CEE de réplicas com características e finalidades diversas não parece desejável, tanto mais que as que são transformáveis e, por conseguinte, assimiláveis a uma arma de fogo estão, a partir de agora, cobertas pela Directiva 2008/51/CE.
Poder-se-ia então questionar, por que razão se insiste, em Portugal, em continuar a aplicar a presente lei às réplicas de airsoft? Até porque esta também é a posição defendida pela Associação de Armeiros de Portugal na documentação apresentada a esta Comissão quando propõe a alteração do artigo 1º da Lei nº 5/2006 e a exclusão das reproduções de arma de fogo para práticas recreativas da aplicação da Lei das Armas.
A coloração das réplicas de airsoft em termos práticos só atingem um objectivo, dificultar a prática da modalidade, porque continuo a questionar os objectivos:
a) Evitar o alarme das populações?
I. As réplicas são sempre transportadas em caixas/estojos de e para os locais de jogo;
II. Os jogos são organizados, por norma, em locais isolados e com o conhecimento das autoridades locais;
b) Evitar a utilização ilícita em actos criminosos?
I. Trata-se de réplicas de venda livre na maioria dos países da União Europeia;
II. Muitas lojas europeias têm espaços de venda online e procedem à vendem dos artigos para qualquer ponto do globo terrestre;
III. O cidadão que adquiriu a réplica ilegalmente para uma utilização ilegal, certamente não terá qualquer preocupação em efectuar a sua pintura, mesmo que se apodere de uma pintada, será extremamente simples pintá-la de novo de negro;
c) Evitar que um agente da autoridade confunda uma arma de airsoft com uma arma real e dispare sobre o seu portador?
I. Algum agente da autoridade, tendo uma arma apontada, não reagiria pelo facto de ela estar pintada? Teríamos os criminosos a pintar armas reais para assim iludir as autoridades;
II. A revista americana FPS de Junho de 2002 publicava um artigo sobre a norma que impunha que uma arma de airsoft para entrar nos EUA teria de ter a extremidade pintada de cor laranja em pelo menos seis milímetros a partir da ponta do cano. Diziam «Eu assisti, em primeira mão, nas feiras de armas, a agentes de policia inspeccionando armas de airsoft e dizendo, “Marca laranja ou não, se alguém vier para mim com uma destas, vai levar um tiro.”»;
Aliás até a utilização de uma réplica de airsoft de uma arma automática para fins ilícitos, seria altamente improvável, pois como refere o juiz desembargador João Rato, num documento entregue nesta Comissão: «Quantos assaltos ou actos violentos foram cometidos com armas semiautomáticas longas com a configuração de armas automáticas? Respondo sem qualquer hesitação: 0» O mesmo se aplica às réplicas de airsoft de armas automáticas, sai muito mais barato adquirir uma caçadeira no mercado negro e serrar-lhe os canos, do que adquirir uma réplica de airsoft!
Em Portugal e ao abrigo do disposto na Lei nº 5/2006 todos os praticantes de airsoft conscientes das suas obrigações encontram-se filiados numa das duas APD’s existentes, por conseguinte faz todo o sentido que, à semelhança do que ocorre no Reino Unido, aos jogadores filiados nestas APD’s seja permitida a posse e utilização em jogo de réplicas de airsoft sem qualquer tipo de coloração não realística.
Porque o ‘sniper’ é uma componente importante na dinâmica de jogo, que exige a esses praticantes uma grande capacidade de camuflagem, uma grande habilidade na precisão do disparo e acima de tudo uma grande paciência, que lhes seja permitido utilizar réplicas de ferrolho com uma potência até 2,3 Joule, até porque como já o referi, é a própria Comissão Europeia que conclui que nos países da União Europeia está em geral entre os 2 e os 7 Joule.
Lisboa, 25 de Novembro de 2010"
2 comentários:
Parabéns pelo conseguido bem como pela exposição.
Gostava de saber qual vai ser a continuação do processo.
Cumps,
TME
Neste momento só nos resta aguardar... O deputado António Gameiro é o relator nomeado para a elaboração do relatório.
No entanto o Parlamento entendeu que dado o seu conteúdo a petição deveria ser analisada em conjunto com o processo de alteração da lei das armas, pelo que as nossas pretensões poderão ter reflexo nessa alteração.
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